31.5.06

SER PORTUGUÊS


em que mares navego
em que reinado
que sombras me decoram
em anel de virtudes
outrora celebradas


e que dizer dos ossos
a aguardar banquetes
de matilhas esfaimadas
sem deuses que castiguem
ou perdoem

que fazer com o silêncio
da dor que implode
o prédio da saudade

ser português O’Neil
aqui agora
não cabe num poema
é uma aflição


Sabe-me bem falar com os Poetas, os de hoje e os de ontem. Atrevo-me. Peço-lhes de empréstimo as palavras que descobrem ou que refazem, os sentimentos que revelam e onde vamos encontrar amparo, as reflexões sobre a vida e o mundo, sempre traçadas na fronteira do choro e do riso. Alexandre O'Neil é um dos sacrificados pelas minhas incursões nos seus domínios, conforme amostra acima. Ele que escreveu um poema tão belo sobre o País que amava e que tão mal o tratou. Passo a transcrever o final:

"...Portugal: questão que eu tenho comigo mesmo,
golpe até ao osso, fome sem entretém,
perdigueiro marrado e sem narizes, sem perdizes,
rocim engraxado,
feira cabisbaixa,
meu remorso,
meu remorso de todos nós... ".

Licínia Quitério

29.5.06

ALICE


Cecilia González Oreján (Técnica Mista)


quando ali me sentava
os anzóis prendiam as sombras da tarde a ganir com o cio
se a água do rio ao menos vazasse a prata sem dor
ou os meus pés fossem canas de pescar sapatos
mas ali sentada diante do nada
era lume brando a cozer traições
e a agonia dos peixes na berma da água
era o fim dos teus olhos a acabar a tarde
se ao menos os barcos passassem de véspera pelas ilusões
ou as redes vazassem sonhos menos fáceis
mas ali sentada com a alma trocada
pescava o diabo e as tentações
ainda que eu cruzasse a solidão entre as pernas
o cio esganava o brilho da prata caído no chão
mesmo que os anzóis mordessem a margem
nunca a rota dos barcos me corrigia a alma
e ali sentada de pernas cruzadas não tinha calçado
nem canas de pesca para a solidão

Uma jovem Poetisa que anda por aqui presenteou-me com este trabalho na caixa de comentários. Não resisti à tentação de o postar. A blogosfera propicia-nos encontros muito saborosos. Este foi um deles. Se o seu verdadeiro nome é Alice, eu não sei. Se tem 28 anos, também não sei. O que sei é que um Poema veio assomar à janela do meu Sítio. Estou muito contente. Por ti, Alice!

Licínia Quitério

26.5.06

SERENIDADE



A casa do amigo não tem chave
Com um pequeno sopro abre-se a porta
e o aconchego envolve quem entrou
Tem um sofá em forma de sorriso
um copo de água fresca sobre a mesa
e a calma de um nocturno de Chopin
O amigo fez a casa e em nós pensou
A voz é doce e com palavras poucas
abranda a nossa pressa de falar
Naturalmente deixa-nos chorar
O amigo não tem nada para contar
e nunca diz: isso não é verdade
Acha que quem chegou deve partir
a arriscar sentir serenidade


Serenidade. Aqui está uma palavra a que chamarei de macia. Tão macia como a sensação aveludada que traduz. Sibilada quanto baste, pronunciável toda com os lábios entreabertos, com o seu i doce, o seu a tónico logo acalmado pela brandura do de. Quase um ser vivo, não acham?
Se o sofá referido no poema tiver a forma do sorriso do Menino lindo que vos apresento, a se-re-ni-da-de virá.
A propósito deste tema, tratado aqui à minha modesta maneira, aconselho a leitura de um longo e magnífico poema, justamente intitulado "Serenidade", da autoria do Poeta Raul de Carvalho. Depois digam-me se gostaram.

Licínia Quitério

24.5.06

"CARPE DIEM"

foto de J. Bastos


Carpe diem amigo
o dia claro com cheiro de açucenas
dia aberto sem portas nem telhado
dia a escorrer pelas fendas da muralha
dia com a espessura branda dos poemas
dia único amável imperdível
dia antigo de tanto ser esperado
dia feito e desfeito em poucas horas
é esse o dia de todos os sentidos
das amplas planuras sem chacais
só gazelas em livres correrias
é o teu dia amigo
não o desprezes
dá-lhe a mão
que um dia assim perfeito
com pouco se contenta
apenas quer sentir tua verdade
tua respiração


"Aproveita o dia" - a frase chave do filme O Clube dos Poetas Mortos que revisito sempre que posso. Muitas vezes, nas horas em que nada faz sentido, em que a esperança não é mais do que uma mancha cinzenta, me socorro desta tão curta frase (apenas um verbo imperativo e o seu complemento). Não vos digo que se trata de uma poção contra a tristeza, mas funciona como o leve sopro de uma voz amiga que nos faz levantar o queixo e seguir em frente. Há palavras que nos guiam. Talvez mágicas... Aproveitai as palavras!

Licínia Quitério

21.5.06

O JARDIM


Claude Monet - Nenúfares

Passeávamos de mãos dadas no jardim,
comíamos os frutos caídos do Outono,
escutávamos o choro das seivas,
com os ouvidos colados nos troncos,
e dizíamos das vozes na prisão.
Espiávamos o voo rasteiro do melro
e falávamos de flamingos em África.
Da boca do leão de pedra, a água jorrava
para o lago pintado de nenúfares.
Sonhávamos voltar a Paris na Primavera.
Visitávamos o gato bravo em sua jaula.
Tínhamos lido O Bom Selvagem.
Havia um prenúncio de chuva
ou o arrepio morava já dentro de nós.
Não sabíamos nada do Inverno.
Quando ele chegou,
encontrou-nos ainda ou de novo no jardim.
Cada qual no seu banco.
As seivas tinham calado os seus lamentos.
O gato morrera nas malhas da raiva.
Os nenúfares tremiam sob as nossas mãos.
Flamingos voavam acima dos castanheiros.
Sim, havíamos de rever Paris na Primavera.


Licínia Quitério, "Da Memória dos Sentidos"

Tenho um jardim de encantos que sabe tudo dos meus segredos de menina. De quando me aventurava e trepava aos ramos e neles me sentava, com os pés a baloiçar, e me imaginava a aparecer e a desaparecer, sempre sorrindo, como o gato de Alice no País das Maravilhas. De quando namorava pelos cantos mais sombrios, mesmo que o namorado fosse o unicórnio azul que só eu via. De quando chorava baixinho porque os joelhos sangravam e o meu pai não podia saber que eu tinha lutado com rapazes. Isso foi no tempo em que eu tinha uma grande pressa de ser crescida.
Passados muitos anos, quando regressei ao jardim foi para lhe dizer que nunca o tinha esquecido, que sempre lhe sentira a falta, mas eu ocupara o tempo todo a crescer. Ele compreendeu e ofertou-me de novo o rumor das folhas, o cheiro da terra, a luz coada pelas ramagens. Dessa vez, já não trepei aos ramos com receio que se quebrassem, já perdera o unicórnio ou ele se perdera de mim, já os joelhos não sangravam porque os rapazes se tornaram meus amigos.
Hoje, visito-o amiúde. Só que ele não sabe que já não sou eu que me passeio. Ao fim de tanto andar, tenho um jardim que em mim passeia.

Licínia Quitério

18.5.06

NATÁLIA


O ESPÍRITO

Nada a fazer, amor, eu sou do bando
impermanente das aves friorentas;
e nos galhos dos anos desbotando
já as folhas me ofuscam macilentas;

e vou com as andorinhas. Até quando?
À vida breve não perguntes: cruentas
rugas me humilham. Não mais em estilo brando
ave estroina serei em mãos sedentas.

Pensa-me eterna que o eterno gera
quem na amada o conjura. Além, mais alto,
em ileso beiral, aí espera:

andorinha indemne ao sobressalto
do tempo, núncia de perene primavera.
Confia. Eu sou romântica. Não falto.

NATÁLIA CORREIA


Encontrei na net a imagem que introduz este post. Terá sido feita por um aluno (aposto que foi por uma aluna) de uma escola do ensino básico. Foi a partir dela, sei lá eu porquê, que me lembrei deste magnífico soneto da Natália Correia. "Eu sou do bando impermanente das aves friorentas...". Não posso saber se a mulher impetuosa que dizem ter sido Natália Correia teria gostado desta associação, mas o que vou conhecendo dela deixa-me a impressão de que o fogo que a envolvia se casava com um frio intenso a fustigar-lhe o espírito. E não é que consigo ver esse espírito de Mulher-Poeta na "naïveté" de uma criança?
A minha humilde homenagem, Natália!

Licínia Quitério

16.5.06

DAS NOITES COM A PELE EM VOLTA



Largaste a pele ao pisar o tapete.
Entraste e não te vi.
Não produziste sombra
em frente ao candeeiro.
O espelho não falou de ti.
Respiraste em silêncio e
o meu cabelo ondeou.
Um toque de veludo

aconchegou-me os ombros.
Um cheiro a cravos inundou a sala.
O canário cantou como se ouvisse
da madrugada o despertar.
Reacenderam chamas as brasas na lareira.

Ouvi bater a porta e acordei.
Amanhã voltarás e o serão
se embrulhará na tua pele
e o meu coração acalmará.


Poemas de amor e saudade. Quem não os escreveu mesmo sem letras? Se vivemos, somos e amamos. Mesmo sem música, cantamos. Se perdemos, mesmo sem lágrimas choramos. Mas continuamos. Somos humanos.

Licínia Quitério

14.5.06

DO VENTO

Aguarela de Tomaso Marcolla - Vento

O VALOR DO VENTO

Está hoje um dia de vento e eu gosto do vento
O vento tem entrado nos meus versos de todas as maneiras e
só entram nos meus versos as coisas de que gosto
O vento das árvores o vento dos cabelos
o vento do inverno o vento de verão
O vento é o melhor veículo que conheço
Só ele traz o perfume das flores só ele traz
a música que jaz à beira-mar em Agosto
Mas só hoje soube o verdadeiro valor do vento
O vento actualmente vale oitenta escudos
Partiu-se o vidro grande da janela do meu quarto


RUY BELO

Na minha terra o vento é companheiro assíduo.
No Inverno é rude, desatinado, apanha-nos ao virar de cada esquina e desacerta-nos o passo. Uiva como um lobo por dentro das chaminés. Não me mete medo. Conheço-lhe as manhas.
Na Primavera, à socapa, levanta as saias já mais leves das mulheres. Visto calças. Conheço-lhe a brejeirice.
No Verão, pela noitinha, teima em varrer as esplanadas e arrepia a pele ainda quente do Sol. Ponho sempre um xaile. Conheço-lhe a traquinice.
No Outono, apazigua-se. Faz-se uma doce brisa que me entristece quando a tarde desmaia. Conheço-o e deixo-me levar.
Se gosto do vento? Acho que sim. Quando se ausenta, sinto um pequeno desconforto. Como se me faltassem notícias de um amigo. Nasci nesta terra. Sou assim.

Licínia Quitério

11.5.06

DO PASSADO


A velha tinha olhos aguados e sem viço.
O sofá moldava-lhe o passado
que descia os degraus da longa escada
e passava pelos nós dos dedos
como um fio escuro e intermitente.

Num esforço, a velha agarrava-o e desenhava,
com os olhos aguados, no vidro da janela,
o cão pastor, o bule de porcelana,
as palavras feias, como ciúme ou traição,
as palavras bonitas, como amor ou princesa,
as palavras cheias, como presença ou vida,
as palavras sem cor, como vazio ou outros.

A velha, com seus cuidados de velha,
fechava ou abria as palavras,
a controlar os tempos de passagem,
e, para não se esquecer da sua tarefa
de velha, com o fio do passado nos dedos,
desenhava uma neta que acendia luzes
verdes ou vermelhas.


Falamos tanto no passado. Pudera! É do ontem que somos feitos. Hoje é só uma palavra que dura menos do que o tempo de a pronunciarmos. Do amanhã nada sabemos, mas é por ele que vivemos.
Pois, filosofia barata esta, mas quem dá o que pensa...

Licínia Quitério

P.S. Há mais de um mês que ando por aqui. É um curto passado para um blog. Aqui vai ele a caminho do amanhã. Com a vossa cumplicidade.



9.5.06

ÁFRICA

Óleo de Malangatana


Tambor está velho de gritar
Oh velho Deus dos homens

deixa-me ser tambor
corpo e alma só tambor só tambor gritando na noite quente dos trópicos.

Nem flor nascida no mato do desespero
Nem rio correndo para o mar do desespero
Nem zagaia temperada no lume vivo do desespero
Nem mesmo poesia forjada na dor rubra do desespero.

Nem nada!

Só tambor velho de gritar na lua cheia da minha terra
Só tambor de pele curtida ao sol da minha terra
Só tambor cavado nos troncos duros da minha terra.

Eu
Só tambor rebentando o silêncio amargo da Mafalala
Só tambor velho de sentar no batuque da minha terra
Só tambor perdido na escuridão da noite perdida.

Oh velho Deus dos homens
eu quero ser tambor
e nem rio
e nem flor
e nem zagaia por enquanto
e nem mesmo poesia. Só tambor ecoando como a canção da força e da vida
Só tambor noite e dia
dia e noite só tambor
até à consumação da grande festa do batuque!
Oh velho Deus dos homens
deixa-me ser tambor
só tambor!

JOSÉ CRAVEIRINHA

Que sei eu de África (ou das Áfricas)? Nunca lá estive. Como posso então sentir sedução e deslumbramento pelas suas cores de carne e de terra, pelos seus cheiros de animais a acordar, pelos seus espaços maiores que o nosso olhar, pela linguagem rítmica dos seus sons, pelas trovoadas em coreografias medonhas, pelos poentes súbitos e apoteóticos?
Simplesmente porque de tudo isto há muito oiço falar?
Ou será que amamos os lugares por onde os nossos sonhos se passeiam?
Com Malangatana e José Craveirinha, aqui fica o convite para irmos ali a Moçambique. Tão possível quanto o nosso desejo de viagem.

Licínia Quitério

7.5.06

DA LOUCURA



Caminha lesto o vagabundo,
à procura da origem de seus males.
Acossado pelos lobos,
ignorado pelos reis.
Tem encontro marcado,
anunciado pelo bater do próprio coração.
Os olhos navegam pelas pedras
que sabe serem estrelas.
Por vezes pega numa e a afaga.
Guarda-a no bolso com cuidado
e o casacão se curva desabado.
Vem do sítio dos loucos deserdados,
com montanhas de jade e de ternuras.
Pela boca falam vozes comandantes:
Agora vai, agora ama, agora mata.
Só não pode parar o vagabundo.
A urgência de chegar não o permite.
As mãos morenas afastam sombras
- intrusos a impedir o progresso
do corpo já cansado.
Se desatento, tropeça num coral, numa romã,
demónios mascarados de natura.
Mas logo se endireita e continua.
Quando parar, será de sopetão.
As vozes deixarão de o incitar,
as estrelas no casaco o brilho perderão.
E lenta, lentamente, seu corpo vergará
até ao chão.
Pela primeira vez, verá os muros do castelo.
Ilusão ou verdade? Não lhe interessa.
Já não pobre, não louco. Apenas corpo.
Até que os reis e os lobos apareçam.


São vagabundos? São andarilhos? São loucos? Vemo-los por aí. De noite ou de dia. Não têm idade. Perturbam-nos. Se nos olham, sentimos um vago remorso. Medo de virmos a ser um deles? Acredito que são uma das nossas fronteiras. Mas é melhor não pensar nisso.

Licínia Quitério

5.5.06

FLORBELA


Mais alto, sim! mais alto, mais além
Do sonho, onde morar a dor da vida,
Até sair de mim! Ser a Perdida,
A que se não encontra! Aquela a quem

O mundo não conhece por Alguém!
Ser orgulho, ser águia na subida,
Até chegar a ser, entontecida,
Aquela que sonhou o meu desdém!

Mais alto, sim! Mais alto! A Intangível!
Turris Eburnea erguida nos espaços,
À rutilante luz dum impossível!

Mais alto, sim! Mais alto! Onde couber
O mal da vida dentro dos meus braços,
Dos meus divinos braços de Mulher!

FLORBELA ESPANCA


Uma Mulher fora do seu tempo. À frente dele. Marcada por muitas dores e sempre com Poesia em fundo. Gosto muito deste soneto e comove-me a expressão fortíssima do seu desejo de fuga para o inatingível. Alguém me provocou para escrever sobre "a fuga". Mas eu não sou nem Flor nem Bela.
Nunca sentiram qualquer coisa assim: "Que ando eu para aqui a dizer se tudo já foi dito..." ?

Licínia Quitério

4.5.06

DOM SEBASTIÃO


Os braços tão pesados,
escorrendo corpo abaixo.
As mãos dentro das luvas,
não galantes
que para tal o tempo não chegou.
O corpo, assim franzino,
aos poucos devorado
pela doçura do mal.
Aos pés, o elmo
desmesurado, austero,
pronto para encobrir
os doirados cabelos
e depois deles a figura inteira.
Os ombros falsamente erguidos,
esperando que não venha
a luta por que esperam.
Olhos de loiça azul
abertos pelo espanto
de se verem ali no meio do dia
que só meio haverá.
No branco desamparo,
o podemos olhar,
o podemos chamar
de rei, de rei-menino,
Sebastião em pedra regressado
lá dos confins da História
para onde o expulsou
dos homens a cegueira.
Mandaram-no reinar e fez-se rei.
Mandaram-no matar e fez-se morte.
Mandaram-no voltar e fez-se mito.
Pelos tempos se tornou
remorso insuportável
e lhe chamaram névoa,
esperança, desejo, aparição
e tudo o mais que queremos
e (quem sabe?) tenhamos
aqui à beira mão.


Licínia Quitério, "Da Memória dos Sentidos"

Gosto de ir a Lagos e de me sentar à beira da estátua. Tenho tido longas conversas com este rei-menino. Ele fala-me de Alcácer-Quibir, onde ainda não foi. Da última vez que estive com ele, avisei-o de que anda por aí um Poeta chamado Joaquim Pessoa a dizer que "Em Alcácer eram verdes ...". Não me deixou continuar. Esboçou um sorriso matreiro e disse, pontapeando o elmo: "Os meus súbditos são tão ingénuos! Um dia até serão capazes de acreditar que me verão no meio do nevoeiro.". Sobressaltei-me. Terá ele tido alguma conversa com o Bandarra? Ou terei sido eu que desalinhei a História?
Deixei-o a brincar. Não consegui contar-lhe como acaba a aventura. Até porque, aqui que ninguém nos ouve, eu também não sei.

Licínia Quitério

2.5.06

MULHERES/ÁRVORES

Georgia O'Keeffe - Spring Tree


As mulheres aspiram a casa para dentro dos pulmões.
E muitas transformam-se em árvores cheias de ninhos - digo,
as mulheres - ainda que as casas apresentem os telhados

inclinados ao peso dos pássaros que se abrigam.
É à janela dos filhos que as mulheres respiram
sentadas nos degraus olhando para eles e muitas
transformam-se em escadas.
Muitas mulheres transformam-se em paisagens
em árvores cheias de crianças trepando que se penduram
nos ramos - no pescoço das mães - ainda que as árvores irradiem
cheias de rebentos.
As mulheres aspiram para dentro
e geram continuamente.
Transformam-se em pomares.
Elas arrumam a casa.
Elas põem a mesa
Ao redor do coração.

Daniel Faria


Penso que qualquer mulher quererá que a deixem por momentos em silêncio depois de ler este poema. As árvores precisam de respirar até às raízes.

Licínia Quitério

1.5.06

PRIMEIRO DE MAIO DE 1974


Dia primeiro
do Maio que Abril nos deu.
Dia rasgado

pelo Sol em cada peito,
pelo riso de todos nós crianças,
pelo abraço dos irmãos em festa.
Dia de todas as cores
dançando em roda,
de cantos mil

voando pelas praças.
Dia sem sede

que a água se oferecia
nos parapeitos das janelas.
Dia de acreditar.
Foi esse o Maio
em que comemos flores
e nos embriagámos.
Foi esse o dia

de todos os amores.


Zeca Afonso cantou "Maio, maduro Maio, quem te pintou".
Henri Matisse pintou "Dança", simbolizando liberdade e unidade.
Pelos tempos fora, há Homens que falam a mesma língua. Apesar de Babel.

VIVA E FRUTIFIQUE O PRIMEIRO DE MAIO DE 2006!

Licínia Quitério

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