28.8.07

VERÃO


Enluvámos as nossas mãos de terra
e revolvemos o coração do verão
na busca de segredos vegetais

Palpámos a firmeza das raízes
e o disfarce de bolbos pardacentos
mátrias infames das ervas da traição

Jurámos arrancá-los um por um
antes que o verão se vá daquela rua
e a esperança de o rever se desvaneça

De pé sobre o cansaço da nossa fortaleza
inda cumprimos a hora de dizer
a beleza das rosas dos bichos do luar

Licínia Quitério

19.8.07

GATA



Apareceste e colaste nos meus os teus olhos de esmeralda. Ofereci-te comida e aceitaste. Abri-te a porta da casa e entraste. Visitaste os meus lugares e elegeste o banco alto onde poisaste. Como uma rainha, no seu trono de aperceber o império. Consentes que te acaricie, apenas com o olhar. Quando ficamos frente a frente, reclino-me no silêncio a adivinhar-te. Vigilante de templos derrubados, confidente da solidão dos céus, feiticeira temida e acossada, musa bem-amada, caçadora intrépida e implacável, fêmea cumpridora de namoros breves e doces maternidades. Sabes do meu riso e do meu pranto. Eu nada sei de ti, altiva, solitária, sedutora. Gata ou reflexo de uma deusa? Haverá uma noite para eu transpor o muro e ir ao teu encontro. Ouviremos, pela única vez, o coro das estrelas reclamando o brilho dos teus olhos, o nada das minhas mãos.

Licínia Quitério

13.8.07

PEREGRINAÇÕES

No tempo das grandes secas
os pobres sugaram as fontes
até ao finíssimo veio de prata

No tempo das grandes fomes
os pobres devoraram os olhos
e a pele e a carne das casas

Os pobres deixaram - como sempre -
as cores ásperas na pedra

Esvoaçam os véus do tempo
nas harpas do vento leve


Mostrei-te o velho caminho da fonte por onde meu pai me levava a passear, nos meus anos meninos. Só o caminho (e mesmo esse tão diferente), que a fonte levou-a o asfalto e a sede insaciável dos homens da vila nova. Persistem os sinais da água na voz que por mim disse: Como gosto de peregrinar pelos santuários em que me guardo...

Licínia Quitério

6.8.07

DA ESPERANÇA


Sitiados
deglutimos a raiva
até estalar o grito
que rebente o dique
e inunde a paisagem

de laços e sementes

Não mais o céu será de fogo


Licínia Quitério


"Na realidade, a minha arte é uma confissão feita de minha própria e livre vontade, uma tentativa de tornar clara a minha própria noção da Vida... No fundo é uma espécie de egoísmo, mas não desistirei de ter esperança de que, com a sua intervenção, eu possa ser capaz de ajudar outros a atingir a sua própria clareza."

Edvard Munch

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