21.8.08

LUGARES



Colorida a turba no vai-vem de falas noutros lugares nascidas. Pelas vielas, rosas de sangue com brandos espinhos cor das sombras da tarde. Os ecos breves do trote dos cavalos lambem a polpa granulosa das arcadas. Velhos corações procuram sinais gravados no musgo em doces caminhadas de inverno: um cheiro a vinho quente e rubro, cintilações em bojos de cristal, a voz fraquinha de um sino cumpridor, o corpo de um cão pesado e branco na soleira cansada e escura.

De como rever a quentura do inverno na frieza do verão.

Imagens reveladas. Reveladoras.

A tenacidade dos lugares.


Licínia Quitério

Pedido de desculpas - pela falta em comentar os vossos posts. Período de preparação de férias e de outras ocupações. Obrigada sempre pela vossa companhia. Licínia

15.8.08

FRESCURA






Quando aprendi a dizer frescura, os gatos incomodavam o sono dos pardais por entre as folhas. Na leveza das manhãs molhadas, os ramos deixavam perceber a imponência das grandes pedras. Havia um brilho suave na voz dos homens que diziam bons-dias. Assim, no plural, quando o tempo futuro era longo e certo.
Não devemos deixar-nos prender nos pequenos contos da província. É necessário escrever grandes romances onde se leiam as folhas verdes, as pedras cinzentas, o êxodo dos gatos, a persistência dos pardais, as vozes sem viço dos homens que perceberam a singularidade dos dias e a brevidade do tempo que diziam futuro.


Licínia Quitério

9.8.08

DO CALOR



Teatros de sombras nos palcos estivais
são a dolência dos abraços
nos pátios da memória.
O brilho feroz dos metais
não diz da escuridão das caves
nas cidades desertas.
Só o vento solar nos impede
de adormecer sobre a carne seca
dos animais degolados.
Este calor põe lâminas sujas
por dentro das palavras.



Licínia Quitério

4.8.08

O GESTO


Não parece importante como dizer que a alga dormita sobre o muro azul e que o mar a trouxe e que o mar sabia como nos iríamos entender.

Porque foi então que eu não disse alga e muro e mar com os olhos e as mãos de quem diz uma frase solta? E se eu tivesse dito alga e muro e mar com os olhos secos e as mãos escorrendo as ancas ? E se eu tivesse calado alga e muro e mar ?

Se eu não tivesse dito alga e muro e mar com os olhos a brilhar e as mãos cruzadas sobre o colo, a alga seria um estilhaço encalhado numa ruga do muro azul. E não teria sido absoluto e comovido o entendimento da hora em que a alga não foi mais do que o meu gesto de a receber.




Licínia Quitério

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