27.12.19

TEMPOS


No tempo de ser erva ofereci-me aos bichos e aos homens e ensinei-lhes o verde e a frescura. 

Depois fui pedra e dei poiso aos bichos e aos homens para despirem o cansaço.
Nesse tempo de pedra aprendi a descida e o prazer de rolar e ver o céu rolar em minha volta.
Depois experimentei ser água e lavei as memórias de ser erva e de ser pedra.
Agora respiro fundo ao cheirar a erva acabada de cortar.
Apanho pedras no caminho e acaricio-as.
Guardo nos olhos o ondular das águas de regresso. 

Chamam-me mulher.
Ainda me falta ser vento e ser viagem.

Licínia Quitério

14.12.19

FLORES DA NOITE



São as flores da noite que te embalam o sono, te segredam promessas de adornar a árvore dos dias.

Flores a preto e branco, flores descoloridas, magníficas flores, simetrias radiantes, invisíveis na claridade das ruas, na penumbra das casas.
Só no chão das noites se alimentam, na poeira acidulada dos leitos, e sobem, sobem, rodopiam, entrelaçam silêncios, dançam histórias sem princípio nem fim, 
dizem-te, dorme, dorme, o teu sono é a nossa vida, o nosso tempo.
Amanhã recordarás um tilintar de loiça fina, a despertar-te, e um doce aroma a inundar-te as horas.
Dirás de goivos, de laranjas, de jasmins.
Não saberás das flores que vivem nas paredes das noites, flores loucas, flores de carne, flores impossíveis no estrépito diurno.


Licínia Quitério

6.12.19

A HORA

É a hora
de preparar o chão da noite,
de falar baixo ou calar,
de recolher as roupas,
de desligar os motores,
de convocar o silêncio do peito,
de procurar o sentido das mãos,
de juntar palavras de dia
com palavras de noite
de escrever a saudade da maré alta,
dos pinheiros altos,
da janela alta das esperas.
Licínia Quitério

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