20.4.20


4.4.20

O TEMPO BRUTO


chegou o tempo bruto de sentirmos 
iguais as horas do sono e da vigília

assim é porque nas ruas
ninguém passa ou passa
 
com os olhos atados ao chão
a boca inexistente igual
à boca inexistente de outro alguém


no corpo oblíquo uma pressa
de chegar ao lugar vazio
de fugir do desenho do ogre
que espreita em cada esquina
seja noite escura ou dia claro

vive-se a gramática dos verbos 
sem modo e sem tempo
e já ninguém se atreve a dizer amanhã
porque só hoje existe
e ontem foi o jardim das delícias
que deixaram este travo 
de fruta há muito amadurecida

temos medo que a memória
não guarde os gestos de abraçar
ou de beijar ou simplesmente
de aflorar 
a pele de um outro rosto
com as polpas 
dos dedos
trementes de aflição


assim vamos vivendo
dia sim amor não


Licínia Quitério


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