29.10.17

O BICHO DA TERRA



Ardem, queimam, iluminam.
Transportam archotes a apagar a noite.
Gritam a afugentar as sombras.
São meninos de oiro.
Cantam a convocar segredos
Que as altas aves guardam.
Dançam rente às ervas.
São meninas e têm nomes de flores.
Guardam o medo em velhos cofres e avançam.
Conhecem todos os países
E em nenhum se detêm.
São os viajantes do tempo.
Homens nascidos de mulheres.
Homens amantes de mulheres.
Homens amantes de outros homens.
Iguais na hora de chegar,
Na hora de partir.
Iguais no desespero e na esperança.
Poderosos. Cruéis. Solitários.
São deuses e habitam ilhas e desertos.
Inventam, constroem, destroem
E nada acabam.
Compram e vendem as terras e os corpos.
Beijam e são o mel.
Mordem e são o sangue.
São a palavra, a plateia, o palco.
São a mãe, a casa, o corredor dos ventos,
A força da levada.
São os filhos do Sol.
São o bicho da Terra.

Licínia Quitério

26.10.17

A MONTANHA


Imóvel como cão dormindo.
Se me perguntas
Digo-te montanha
A suportar o céu
A beber nuvens.
Ensinou o homem a subir
A rasgar-se nas pedras
A cair muitas vezes
A erguer-se de novo.
Chegado ao cume
Nele crava bandeiras.
Anuncia
Isto é meu
Isto sou eu.

A montanha deixa rolar
Mais uma pedra.
É o seu modo de contar o tempo.


Licínia Quitério

1.10.17

AS PALAVRAS



De gritos, de suspiros, de músicas,
de danças, de pinturas,
de tudo e nada se nutrem
as palavras.
Pedem abrigo no nosso ouvido interno.
Se as acolhemos, deslizam pela garganta,
procuram lá no fundo o coração.
São bandeiras de lume e o peito arde.
Desistem ou vão até ao lar da boca.
Retomam o fio da viagem.
Tornam-se  passo de baile, corda de guitarra.
Quando se soltam, são o gume ou a carícia,
a paz ou a batalha.
Às vezes são a morte, às vezes liberdade.
Se a sorte as acolher, serão a carne do poema.

Licínia Quitério

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