27.3.23

A DECADÊNCIA

 A decadência veloz duma era, o anúncio da mudança, a relatividade do mal, a pressa e o temor de conhecer o acto final.

Travestidos os bruxos, as sibilas, indecifráveis os oráculos.

Tempo de fogo e enxurrada a adubarem a pobreza infinitamente crescente.

A natureza e os humanos em competição, no sofrimento, na mortandade.

Nem os poetas, nem eles, se apercebem das vozes nos seus pátios interiores.


Licínia Quitério

22.3.23

PÁSSAROS

 

Tens um pássaro moribundo aos pés

e não lhe tocas

Esperas que ele morra

para depois o ergueres

A tua mão não treme

Dizes: pobre ser indefeso

Os teus olhos estão secos

do pó do tempo que passou

O chão da guerra está juncado

de pássaros mortos

Dizes: pobres seres indefesos

Ficam aguados os teus olhos

com a lembrança dos rios que passaram

Os pássaros lá ficam

até serem cinza água

remorso de todos nós

pássaros indefesos


Licínia Quitério

10.3.23

 Janeiro 2005


Uma a uma foram-se as portas fechando de mansinho.
Não sei de quem a mão a convidar o vento,
a convocar o escuro, a apagar com esmero
todo o traço de beijo.
Não sei de quem a voz que foi dizendo não
a qualquer tentativa de passagem
para a margem do rio onde os cavalos
brancos se apaixonam,
naturalmente, pelas borboletas.
Não sei de quem a força que não me deixa descolar da estrada,
ganhar a asa e, ao menos, debater-me acima desta bruma.

Que brilho é este a faiscar cá no fundo de mim?

Sei.
Foi uma estrela que há muito se apagou e,
sem avisar, me fez herdeira universal
de seu átomo, seu filho intemporal,
e me ensinou a reabrir as portas,
a avivar os traços,
a ganhar a terra dos cavalos brancos,
das borboletas.

LQ, inédito

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