São rosas, senhor, meu bem.
6.10.23
SÃO ROSAS
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Licínia Quitério
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4:13:00 da tarde
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5.9.23
CHEGAM DE MADRUGADA
Chegam de madrugada
São o eco de divagações nocturnas
Vão contando o princípio de histórias
Que desejámos e esquecemos
Trazem as vozes brandas
Os gestos inacabados
Mulheres e homens
Que deixámos
Que nos deixaram
Agora sombras que sem saber invocamos
No suave despertar vão-se esbatendo
Confundindo tempos
Deformando -se
Transformando-se
Ausentando-se
A luz do dia tudo apaga
As sombras guardam
Num desvão secreto
Essa outra vida não vivida
Verdadeira como todos os sonhos
Licínia Quitério
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Licínia Quitério
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12:47:00 da tarde
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5.7.23
OS ARCHOTES
os homens já não transportam archotes
são os archotes
já não lançam bombas
são as bombas
correm pelas cidades
uivam
acendem os olhos
incendeiam
as casas as ruas
outros homens sem chama
a matilha chegou às portas da cidade
deteve-se
aguarda o tempo de cinza
que virá depois da raiva
esse fogo crescido nas goelas
dos esfomeados
ardem bem as cidades
Licínia Quitério
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Licínia Quitério
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11:40:00 da manhã
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12.4.23
27.3.23
A DECADÊNCIA
A decadência veloz duma era, o anúncio da mudança, a relatividade do mal, a pressa e o temor de conhecer o acto final.
Travestidos os bruxos, as sibilas, indecifráveis os oráculos.
Tempo de fogo e enxurrada a adubarem a pobreza infinitamente crescente.
A natureza e os humanos em competição, no sofrimento, na mortandade.
Nem os poetas, nem eles, se apercebem das vozes nos seus pátios interiores.
Licínia Quitério
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Licínia Quitério
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22.3.23
PÁSSAROS
Tens um pássaro moribundo aos pés
e não lhe tocas
Esperas que ele morra
para depois o ergueres
A tua mão não treme
Dizes: pobre ser indefeso
Os teus olhos estão secos
do pó do tempo que passou
O chão da guerra está juncado
de pássaros mortos
Dizes: pobres seres indefesos
Ficam aguados os teus olhos
com a lembrança dos rios que passaram
Os pássaros lá ficam
até serem cinza água
remorso de todos nós
pássaros indefesos
Licínia Quitério
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Licínia Quitério
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11:03:00 da manhã
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10.3.23
Janeiro 2005
Uma a uma foram-se as portas fechando de mansinho.
Não sei de quem a mão a convidar o vento,
a convocar o escuro, a apagar com esmero
todo o traço de beijo.
Não sei de quem a voz que foi dizendo não
a qualquer tentativa de passagem
para a margem do rio onde os cavalos
brancos se apaixonam,
naturalmente, pelas borboletas.
Não sei de quem a força que não me deixa descolar da estrada,
ganhar a asa e, ao menos, debater-me acima desta bruma.
Que brilho é este a faiscar cá no fundo de mim?
Sei.
Foi uma estrela que há muito se apagou e,
sem avisar, me fez herdeira universal
de seu átomo, seu filho intemporal,
e me ensinou a reabrir as portas,
a avivar os traços,
a ganhar a terra dos cavalos brancos,
das borboletas.
LQ, inédito
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Licínia Quitério
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12:19:00 da tarde
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6.2.23
VEM
Vem sereníssima
moradora
nas alturas dos sonhadores
nas profundezas dos tombados
nos mares dos fugitivos
nas celas dos cativos
Vem suavíssima
sabedora
da aflição dos desesperados
da nudez dos desprezados
do desespero dos perdedores
da decepção dos ganhadores
Vem humaníssima
amante
do silêncio nocturno
do estrépito diurno
Vem poderosíssima
dona
dos segredos inconfessados
da contradição dos espíritos
dos medos da paz e da guerra
dos medos da fome e da abundância
ser deusa
ser amor
explicar a solidão de todos nós
Licínia Quitério
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Licínia Quitério
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9:53:00 da manhã
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19.1.23
A EUGÉNIO DE ANDRADE
Com que palavras se diz
a morte de um poeta?
Tu as disseste como quem lavra
o branco com a cal.
As disseste como quem ama o amor
em nuvens altas.
Disseste corpo, ou rio, ou ave,
como quem canta uma canção
e dela se desprende.
Com Eros te entendeste e
maduraste os frutos.
Portuguesmente foste
a casa, as dunas, o areal
e o amigo que partiu.
Disseste o som, o cheiro, a cor
e nos deste a conhecer
a palpitação, a onda do silêncio.
Thanatos te buscou,
te reclamou e contigo levou
as palavras sobrantes
para que nunca se diga
que o poeta partiu, mas que habita
em segredo, o adro, a eira, a mãe.
Licínia Quitério
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Licínia Quitério
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1:45:00 da tarde
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