24.7.22

DA IGNORÂNCIA

como explicar o choro no restolho

se os humanos já ali não vivem


e o silvo a cortar os ares

a fazer-se lume e a estilhaçar a sorte

dos audazes

quem lhe deu a mão lhe segredou

o nome da distância


de perguntas andam grávidos os dias

pesados os dias

vamos pisando as respostas

há muito afundadas no chão das guerras


senhora da ignorância afasta-te de nós


Licínia Qiuitério

22.7.22

NEM OS POETAS

A decadência veloz duma era, o anúncio da mudança, a relatividade do mal, a pressa e o temor de conhecer o acto final.

Travestidos os bruxos, as sibilas, indecifráveis os oráculos.

Tempo de fogo e enxurrada a adubarem a pobreza infinitamente crescente.

A natureza e os humanos em competição, no sofrimento, na mortandade.

Nem os poetas, nem eles, se apercebem das vozes nos seus pátios interiores.

Licínia Quitério


3.7.22

CANSAÇO

 

Que sei eu do cansaço senão o que li nas pernas das mulheres

nas cordas cinzentas que lhes sobem pelas pernas

até ao peito que já foi fonte e se cansou.

Nos homens que não se cansam de plantar

para dar de comer a outros homens que tombam de cansaço

na beira dos campos, na beira dos dias.

No eterno cansaço de Sísifo, coitado,

iô-iô de deuses brincalhões

agora carrega agora sobe agora desce

e sempre e sempre sem descanso

mesmo nos quadros dos pintores famosos.

No cansaço dos poetas mais ou menos líricos

a obrigarem as palavras a dizer o que eles pensam que os outros sentem

e elas sim as palavras a ficarem cansadas e inúteis e a fugirem na primeira aragem.

No supremíssimo cansaço de Álvaro de Campos.


Licínia Quitério

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