Vou por entre as sombras
com uma saia de luz
e um trevo ao peito
Não sei dos símbolos
na casca das bétulas
nem da fala dos bruxos
curvados sobre a noite
nem do hálito das gárgulas
corroendo as pedras
Mergulho na água
a escrita das minhas mãos
e inauguro um livro
com a medida exacta
de um corpo nos meus braços
Sei da vida o que a morte me ensinou
A minha saia é luz e nada temo
Licínia Quitério
24.6.08
CANTATA DO DESASSOMBRO
partilhado por Licínia Quitério às 10:20:00 da tarde 16 comentários
19.6.08
REGRESSO
O piar dos pardais, à boquinha da noite, em luta por um abrigo nos braços do velho plátano solitário.
Noite feita, os morcegos a rasarem a janela, com seu chiar de ratos.
Quando a janela da infância se fechava, começava o sono. E nele entrava um novo mundo, encantado e bizarro.
Era então que o canário da vizinha Celeste, liberto da prisão, voava como um louco em redor da cabeça do Júlio sapateiro, a bater sola sem fazer ruído, empoleirado no carro de bois que, vendo bem, nem era um carro, mas uma gaiola a abarrotar de pardais.
E havia os gritos, os gritos das corujas das torres, procurando as orelhas dos meninos da rua.
Depois, num clarão, as corujas, transformadas em pirilampos, pousavam, brandamente, no carrapito da vizinha Celeste.
Também os mundos se cansam.Talvez por isso, chegava o tempo em que tudo parava. E aquele mundo subia, subia, subia, deixando cá em baixo, ao rés do sono, a quietude, a grande paz. Até que, despertado pelo sol madrugador, o canário da vizinha Celeste cantava de novo, em estridências de amarelo oiro, a pedir-me que abrisse, inda por mais um dia, a janela da infância por onde entrava o mundo.
Licínia Quitério
partilhado por Licínia Quitério às 1:09:00 da tarde 15 comentários
13.6.08
CANSADOS RIOS
Se me perguntas
de que águas
me alimento
digo-te do tempo
em que os rios
tranquilos rios
de penas brancas
amaciavam mágoas
nos ombros da verdura
nada mais te digo
que hoje todas as palavras
são águas de outros rios
cansados rios
de chumbo e desassossego
Licínia Quitério
partilhado por Licínia Quitério às 4:25:00 da tarde 16 comentários
8.6.08
UMA PORTA
Licínia Quitério
partilhado por Licínia Quitério às 9:29:00 da manhã 17 comentários
1.6.08
UM CORAÇÃO
Vestes talhadas em
claros panos de aconchego.
Sombras de orientes
a adornar águas de agosto.
Doiradas cabeleiras
anunciadas na fala das estrelas.
O zumbido ondulante dos insectos.
O azul, o grande azul
sobre a memória da terra calcinada.
Indiferente ao estrépito dos mundos,
neste desvão das horas se reclina
absorto um coração.
Licínia Quitério
partilhado por Licínia Quitério às 4:51:00 da tarde 19 comentários
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