12.8.09

CLARISSE 14

Ainda lá está, o banco. Clarisse fez questão de voltar ao pequeno largo e de saber notícias do tempo ido. Podemos chamar-lhe álbum, mas há dias em que Clarisse põe outras dimensões no olhar e vê, por exemplo, como o sol das onze horas num dia de Setembro se apodera do banco e o torna senhor do largo, como se não houvesse o austero edifício e a pequena igreja e as flores amáveis da azálea que se oferecem como bouquets de noiva, em berma de estrada. As fotos antigas transportam castelos de nuvens. Claro-escuras, de céus carregados de tempo e de bruma. Pensa-se deitada no chão da praia, não vês o coelho a espreitar, por detrás da torre do castelo. Isso mesmo, o vento está a desfazer-lhe a orelha, o pobrezito. É o caminho dele, seguir a tarde até ser barco, ou perfil de velho, ou nada que tenha nome a não ser de nuvem. Clarisse nunca fixou rostos, a não ser os de olhos falantes, melhor ainda se gostosos de brilhar. Prefere imaginá-los, na mancha de café sobre a mesa, no recorte da folha do livro antigo, na sombra dos ramos no luar da cal. Varrendo a foto, lentamente, com o vagar das horas que lhe sobram do colo, consegue recuperar uma silhueta de mulher que um dia passou no largo sem olhar o banco guardador de sol. A mulher, diz agora, caminhava devagar e sorria e quem sabe se o Homem sorria ao seu lado e nem precisavam de saber do banco, que o cansaço ainda não nascera e o sol morava dentro deles em quatro estações. Clarisse não tem emenda. Persiste em contar histórias que as fotos não dizem e em inventar rostos de olhos falantes que dos outros, em verdade, se esquece.

Licínia Quitério

8 comentários:

Paula Raposo disse...

Os olhos falantes que às vezes magoam muito. Gostei de te ler, beijinhos.

bettips disse...

Como eram inúteis os bancos ...
Repara-se depois. Olhos (já) mudos. Ou melhor, surdos, que eles continuam a falar, os olhos!
Bjs

Arábica disse...

Ainda bem que a Clarisse não tem emenda.

Ainda bem!

Um beijo.

Graça Pires disse...

O álbum de Clarisse. Deve conter todos os segredos que guardou...
"Clarisse nunca fixou rostos, a não ser os de olhos falantes, melhor ainda se gostosos de brilhar." Percebe-se.
Um beijo, Licínia.

Lídia Borges disse...

"Clarisse não tem emenda. Persiste em contar histórias que as fotos não dizem e em inventar rostos de olhos falantes que dos outros, em verdade, se esquece."

Ainda bem! Não há nenhum motivo de emenda nesta bela Clarisse...

Um beijo

Justine disse...

Pois se a Clarisse é uma poetisa, como há-de ela ter emenda? Ela vê o que está oculto, ela descobre que o que interessa são os olhos. Como há-de ter emenda?

M. disse...

Mais um poema de amor de que GOSTEI MUITO.

Manuel Veiga disse...

Clarisse distribui magia em cada rosto que inventa...

beijo

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