Os meninos sentam-se. Não precisam mais do que de um pedaço de chão. Pouco se olham. Ainda não sentem o fascínio dos espelhos. Tocam-se apenas para lutar. Mais tarde lhes dirão do abraço que magoa. A luta não. Os homens são grandes e não se sentam. No chão, não. Ficam cansados, de pé, olhando os meninos, não vão eles sujar-se no chão. Ou apanharem o bicho que passa, muitas patas, pouco corpo. Os deditos dos meninos seguem o bicho que partilha com eles o chão. Há também mulheres grandes que não se sentam. Cansam-se de ficar de pé, olhando os homens e os meninos. Estão tão contentes os meninos. Não se olham, sorriem e com os deditos desenham o caminho sinuoso do bicho. Tantas patas para tão pouco corpo. Não lhe tocam que os homens e as mulheres, cansados, de pé, assustam-se e gritam. São grandes, estão cansados e têm medo, pensam os meninos. Senta aqui, mãe. Senta aqui, pai. Não sentam. São grandes e o chão mete-lhes medo, como o bicho que já lá vai, tão longe, a rabiar seu corpo magrinho de pernas tantas. Acabou o tempo dos meninos no chão. Os grandes, cansados, medrosos, dizem: vamos embora. Vão todos sentar-se num animal de corpo grande e poucas patas. Os grandes riem, já não estão cansados, nem sentem medo. O animal grande anda depressa, mas os deditos dos meninos ainda não esqueceram o rabiar do outro, de corpo fino e muitas patas. Desta vez olham-se, sorriem e desenham o caminho do bicho pequenino nas costas dos bancos onde se sentam os grandes que já não estão cansados, nem sentem medo porque não sabem do bicho que lhes caminha nas costas. Os grandes não adivinham os segredos dos meninos marotos que acham que o chão é para sentar.
Licínia Quitério
8 comentários:
Os grandes criaram têm os medos que criaram.
Bonitos textos.
E sacaste-me um sorriso, Licínia!
Sempre gostei de meninos marotos...
Um beijo.
Gostámos! Lemos as duas,
AIDA e Inês
encanto este regresso à infância! tens tanto para contar às crianças. e não só.
pois que os adultos facilmente esquecem o que é ser-se criança, parece que não guardam dentro deles nem um bocadinho da criança que foram, e isso é mesmo triste.
beijinho, Licínia.
Gostei muito deste teu dizer azul da não disposição, ou incapacidade de alguns, para o entendimento da simplicidade das coisas das crianças.
Realço em particular a expressão "Ainda não sentem o fascínio dos espelhos." Cheia de subtileza.
Amiga, olá!
em bom tempo aporto. rio do medo que me consome, por vezes... porque o medo nunca me impediu de levantar troncos apodrecidos e pedras cobertas de limo para ver o mundo noutro mundo.
teu post me remeteu a isso, rss!
grato, de coração.
...
em tempo: na rádio comunitário (Utopia FM) a que me dedico estamos formatando um projeto lusofono, com a participaçao de estudantes de comunicação d'África. gostaria de saber se poderíamos utilizar alguns dos teus textos, com os devidos créditos, é claro! caso afirmativo, com antecedência diríamos dos textos que gostaríamos de radiodramatizar (trabalhamos com estudantes de escolas públicas de níveis fundamental e médio, em parceria com a Universidade de Brasilia - donde os estudantes africanos em caráter de intercâmbio).
por favor, pense a respeito e me retorne, certo?
utopia-fm@hotmail.com
um abraço fraterno,
batista
belos os teus meninos. e o chamamento da Terra-Mãe1
beijos
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