28.3.20

UM LEVE RUMOR


Era um leve rumor na porta da manhã
Um arrepio na cal
Um bater de asa
Na folha do loureiro
Uma dor súbita
Um cheiro insistente
A leite azedo
Uma agonia
Uma curta notícia
Um eco de palavra
No fundo da garganta

E depois
Um silêncio
Um silêncio infame
A cobrir a cidade
Vazia a cidade
Com o medo a pular
Nos bancos vazios
Nas ruas vazias

De olhos baixos os homens
Apressados os homens
Silenciosos os homens
Na boca das mulheres
Uma pergunta
Quando?
Uma aflição atada ao peito
Uma mágoa em cada mão
Para onde foi o coração da cidade?
Para onde foram todos?
Para onde?

Quem havia de dizer ...
Dizem os velhos
Quando isto passar ...
Dizem os novos

E o silêncio indecente
A encorpar
A invadir
A ameaçar
Este mundo e o outro
O outro que haverá
Com cantigas de roda
De mãos dadas
Tal como havia
Antes daquele rumor
Na porta da manhã

Licínia Quitério


1 comentário:

Graça Pires disse...

Um rumor que não desejamos mas que existe…
Lindíssimo, o teu poema.
Uma boa semana com muita saúde.
Um beijo.

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