Sobre elevados temas
Como ser ou não ser
Ou o imenso mistério
De transportar o cosmos
Inexoravelmente
Desde os ventres bojudos
Das nossas ricas mães
Que sobre metafísica
Nunca ousaram falar
Muito provavelmente
De Einstein ou de Freud
Que passaram de moda
Ou do eterno retorno
Que é bonito citar
Hoje estou mal disposta
Aconteceu
Que me doeu um continente inteiro
E mais outro e mais meio
Fiquei agoniada porque vi
A mulher a carpir
O destino do filho
A explodir na bomba
A implodir na fome
A deslizar na rua
Da terra que é a sua
Mas onde é acossado
Tal como um cão danado
Por querer roubar o anel
A carteira a pulseira
O relógio o que houver
Que lhe dê o refúgio
Que nunca irá ter
Hoje estou irritada
com o mundo
Comigo
Que já ousei falar
De coisas transcendentes
De discutir problemas
Pequenos indecentes
Sem nada me doer
Ou então sem perceber
Que a pedra no sapato
A picar a moer
Era um aviso sério
De que algures no planeta
Há milhares de milhões
Que não têm sequer
Direito de dizer
Porque a fala acabou
E o país cujo nome
Eu na escola aprendi
Já não tem capital
Nem cidades nem casas
Só tem gente indigente
Deportada e sem asas
O meu poema hoje
Tem de ser militante
E dizer claramente
Poeta
Põe de lado a emoção
O que é mesmo importante
é o preço do pão
Licínia Quitério, 2004
2 comentários:
Magnífico!
Uma boa semana com muita saúde, minha Amiga Licínia.
Um beijo.
A poesia também se come
Bj
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