26.5.25

A COTOVIA

 Estava escuro. 

Era inverno e os abutres nos penhascos aguardavam a morte dos cervos.

Temiam que as andorinhas da primavera interrompessem o manjar de sangue vivo em corpo morto. 

Foi longo aquele inverno e os abutres cuidavam de quebrar os ovos das andorinhas, antes que os filhos eclodissem em Abril.

Foi longo o Abril da regeneração dos ninhos, da fuga dos abutres, das correrias dos cervos, dos trigos amadurecidos por mãos quase loucas de esperar.

Escureceu o Maio e as searas curvam-se ao vento e rumorejam, num mar de sobressaltos. 

Avistaram pássaros negros, filhos espúrios dos abutres, em voos silenciosos, a ensaiarem a rapina.

Há um canto longe, um grito, um aviso no cimo dos penhascos: 

- Escutem o canto da cotovia.

Licínia Quitério


 

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