18.1.10

HAITI



Com que palavras dizer a ordem das coisas,
a razão das coisas, quando tudo
é temor e raiva e subversão?
Como dizer a leveza do céu
ou a aspereza do chão, quando o céu
e o chão se desenham na poeira dos gritos,
na pele insuportável do silêncio?
Uma cidade desfeita é um monstro a devorar os filhos.
A morte é o espanto nos olhos dos homens, 
o andar deambulante entre ruínas, 
a sede dos vivos,  a arma na mão
de coração a coração,
a assimetria dos corpos,
a náusea, a podridão.
Uma mulher canta cavalgando a dor,
uma criança apressa-se a nascer. 
Que fazer destes dias da ira
no grande afã de esfacelar a esperança?
Como entender a geografia do  humano sofrimento?
Pobre de ti, Haiti.
Pobres de nós.


Licínia Quitério

12 comentários:

Maria disse...

Não tenho palavras para te comentar.
Abraço-te...

José Carlos Brandão disse...

É isso, Licínia. Não sabemos como dizer a dor. Às vezes é demais, é inexplicável.
Abraços.

bettips disse...

Fico sem a palavra
mas deixo o pensar nosso
um abraço uma lágrima
redondos como o mundo.

Mar Arável disse...

Grande alma a sua

Um texto como sempre

de afectos profundos

Bjs

© Maria Manuel disse...

"Com que palavras dizer (...)?"
É, de facto, difícil encontrar palavras. Mas tu soubeste dizê-las, Licínia, soubeste fazer da tua poesia uma nomeação do real, um testemunho importante.

abraço.

Alberto Oliveira disse...

... não tenho palavras para descrever a dor de quem as entranhas da terra ainda tornou mais pobre do que era antes, daqueles a quem a palavra família foi riscada do seu mapa quotidiano ou dos que - por tudo isto - encolhem os ombros e acham que a vida deixou de fazer sentido.

Abraço.

Justine disse...

Junto o meu ao teu grito de raiva, de impotência, quase de incompreensão.
Abraço, amiga!

batista disse...

um beijo solidário.

Rui Fernandes disse...

Há que lamentar, mas não que atribuir culpas: a natureza espreguiçou-se, como o faz de vez em quando, e alguns milhares de desgraçados estavam no sítio e no momento errados. Há que enterrar os mortos (e não há nada de mal com a morte, mau é nós não sabermos aproveitar a vida!) e cuidar dos vivos. Aqui, é que o problema é grave e vejamos porquê:

1º. A incomensurável dimensão da tragédia - não estávamos habituados a números tão grandes (embora mil mortes provoquem mil vezes a infinita dor causada por morrer uma pessoa).

2º. O país em que foi: construção de reduzida qualidade, acumulação da pobreza em favelas, poucas e más infra-estruturas, um governo fantoche, um povo acomodado pelo catolicismo,um passado colonial e de misérias mais recentes.

3º. Os apetites do Império. Mr. Obama já mandou as suas tropas de ocupação e nomeou Mr. Bush e Mr. Clinton para "gerirem" as ajudas humanitárias, senhores responsáveis pela imposição da actual camarilha no poder (poder, salvo seja).

Tudo isto misturado dá muita raiva: não é a morte, nem as cidades desfeitas, que me dá raiva, é a vida de escravo. Sim, Licínia, pobres de nós.

M. disse...

Sim, Licínia, pobres de nós.

maré disse...

pobres de nós, incapazes de ser
e entender.
tão pobres na tão grande punição de se existir.

____

beijo,cúmplice.

Rodrigo Fernandes (ex Rodrigo Rodrigues) disse...

Olha, Licínia, a Teresa (Patanisca) tem estado lá, trouxe imensas fotografias e histórias em que o horror e a humanidade se misturam. Pobre povo, pobre humanidade. O pessoal aqui da Califórnia está muito incomodado com a situação, em primeiro lugar, claro, a comunidade latina. Muitos têm lá família e a informação é exígua. Há aqui muitas vozes que se levantam para dizer que isto está a levar o mesmo rumo que o caso New Orleans sob a Administração Bush. E muitas queixas porque os problemas deixados pelo Katrina ainda estão para resolver. E pergunta-se: o que foi lá fazer o exército?
Mistérios!!

Bjs.

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