a razão das coisas, quando tudo
é temor e raiva e subversão?
Como dizer a leveza do céu
ou a aspereza do chão, quando o céu
e o chão se desenham na poeira dos gritos,
na pele insuportável do silêncio?
Uma cidade desfeita é um monstro a devorar os filhos.
A morte é o espanto nos olhos dos homens,
o andar deambulante entre ruínas,
a sede dos vivos, a arma na mão
de coração a coração,
a assimetria dos corpos,
a náusea, a podridão.
Uma mulher canta cavalgando a dor,
uma criança apressa-se a nascer.
Que fazer destes dias da ira
no grande afã de esfacelar a esperança?
Como entender a geografia do humano sofrimento?
Pobre de ti, Haiti.
Pobres de nós.
Licínia Quitério
12 comentários:
Não tenho palavras para te comentar.
Abraço-te...
É isso, Licínia. Não sabemos como dizer a dor. Às vezes é demais, é inexplicável.
Abraços.
Fico sem a palavra
mas deixo o pensar nosso
um abraço uma lágrima
redondos como o mundo.
Grande alma a sua
Um texto como sempre
de afectos profundos
Bjs
"Com que palavras dizer (...)?"
É, de facto, difícil encontrar palavras. Mas tu soubeste dizê-las, Licínia, soubeste fazer da tua poesia uma nomeação do real, um testemunho importante.
abraço.
... não tenho palavras para descrever a dor de quem as entranhas da terra ainda tornou mais pobre do que era antes, daqueles a quem a palavra família foi riscada do seu mapa quotidiano ou dos que - por tudo isto - encolhem os ombros e acham que a vida deixou de fazer sentido.
Abraço.
Junto o meu ao teu grito de raiva, de impotência, quase de incompreensão.
Abraço, amiga!
um beijo solidário.
Há que lamentar, mas não que atribuir culpas: a natureza espreguiçou-se, como o faz de vez em quando, e alguns milhares de desgraçados estavam no sítio e no momento errados. Há que enterrar os mortos (e não há nada de mal com a morte, mau é nós não sabermos aproveitar a vida!) e cuidar dos vivos. Aqui, é que o problema é grave e vejamos porquê:
1º. A incomensurável dimensão da tragédia - não estávamos habituados a números tão grandes (embora mil mortes provoquem mil vezes a infinita dor causada por morrer uma pessoa).
2º. O país em que foi: construção de reduzida qualidade, acumulação da pobreza em favelas, poucas e más infra-estruturas, um governo fantoche, um povo acomodado pelo catolicismo,um passado colonial e de misérias mais recentes.
3º. Os apetites do Império. Mr. Obama já mandou as suas tropas de ocupação e nomeou Mr. Bush e Mr. Clinton para "gerirem" as ajudas humanitárias, senhores responsáveis pela imposição da actual camarilha no poder (poder, salvo seja).
Tudo isto misturado dá muita raiva: não é a morte, nem as cidades desfeitas, que me dá raiva, é a vida de escravo. Sim, Licínia, pobres de nós.
Sim, Licínia, pobres de nós.
pobres de nós, incapazes de ser
e entender.
tão pobres na tão grande punição de se existir.
____
beijo,cúmplice.
Olha, Licínia, a Teresa (Patanisca) tem estado lá, trouxe imensas fotografias e histórias em que o horror e a humanidade se misturam. Pobre povo, pobre humanidade. O pessoal aqui da Califórnia está muito incomodado com a situação, em primeiro lugar, claro, a comunidade latina. Muitos têm lá família e a informação é exígua. Há aqui muitas vozes que se levantam para dizer que isto está a levar o mesmo rumo que o caso New Orleans sob a Administração Bush. E muitas queixas porque os problemas deixados pelo Katrina ainda estão para resolver. E pergunta-se: o que foi lá fazer o exército?
Mistérios!!
Bjs.
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