19.2.10
RUÍNAS
Na vila velha, a casa velha,
ou as veias nas fendas onde correm
trepadeiras de campainhas azuis
que sempre voltam com as andorinhas,
ou os gatos invisíveis nos parapeitos,
a lamberem feridas inventadas,
ou os restos teimosos da tinta verde
nas paredes da sala de jantar,
ou o frio respirar das lagartixas no beiral.
Lá dentro, uma tosse miúda, persistente,
ou um ranger de portas empenadas
ou os talheres a tilintar na mesa,
a abafar suspiros censurados,
ou os gritos do medo pelo escuro
ou tão só o piar do velho mocho
ou as correrias das crianças:
não me apanhas, não me apanhas…
Ali a casa ainda habitada
a alimentar ruínas.
Licínia Quitério "Da Memória dos Sentidos"
partilhado por Licínia Quitério às 5:04:00 da tarde
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16 comentários:
Mais um poema de excelente qualidade, dando-nos a ver, com ímpar voz, que " Ali a casa ainda habitada a alimentar ruínas.".
minha admiração e gratidão pelo excelente momento de leitura.
luís filipe pereira
Memórias muito bem evocadas!
Reconheço-me nelas.
Beijinhos
As memórias transformadas em poesia, ou a poesia das memórias, ou o dom de inventar poesia e memórias. Muito belo, amiga:))
Revi-me numa casa quase em ruinas, onde havia o famoso quarto escuro... e tudo o resto.
Todas as casas serão habitadas enquanto as paredes estiverem erguidas.
Belo o teu texto, Licínia!
Um abraço
o que sinto pela janela
que vomita
ervas
[ na memória
eriçada(s
beijo
~
Mesmo quando fechadas
as casas são habitadas
por memórias e silêncios
Bjs
Es un poema precioso.. gracias por compartirlo.
Un beso
Un abrazo
Con mis
Saludos fraternos de siempre.
Que la semana que comienza sea de las mejores. mis mejores deseos.
se ontem as paredes esconderam a voz, a memória é uma fresta que hoje liberta. abre-se, dilatada de sons.
_______
beijo
Adorei..
Parabéns... Tu descreves com o coracão..
Bjuss
"casa em que caibas.. terra quanta vejas!"...
assim na imensa dimensão de teus poemas.
enorme Poema.
beijo
Licínia,
1 - Independentemente dos sentimentos (e tu sabes melhor que ninguém que para mim todos os sentimentos são pirosos, como pirosos são os arrebatamentos do coração)...
2 - Não é a decorrência do falar que importa (falar, falam os políticos, os jornalistas e os papagaios), importa é a fluência do dizer
3 - No dizer poético importa também a presença do não-dito
4 - Admiro muito a arquitectura dos teus poemas. Se poetar é "fazer", anda muito perto de "construir". Admiro sobretudo a simetria do paralelismo fora-dentro construída em duas estrofes e arrematada na chave de dois versos - diversão.
Isto prova que há muitas casas velhas que podem ser imaginativamente reconstruídas
desse modo poderemos criar um ambiente melhor para viver.
muito bom este poema, Licínia! quantas casas, ruínas, assim...
beijo.
Reinventas as ruínas
que, sem ti, teriam outro sentido.
Assim, na memória os vemos pulsar.
bjs
É impossível apagar da nossa mente a memória dos sentidos. As palavras podem reconstruir a casa no poema...
Um beijo, Licínia.
Tão bonito, Licínia!
Eu ia jurar que te tinha comentado!
Deverei ter caído antes do publicar.
Dificil é alimentar ruínas.
Duro é sentirmos-nos alimentados por elas.
Beijos
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