Pouco fica depois do temporal que quebrou a janela
sem dar tempo a guardar o frio sob as mantas.
A devassa da casa, insuportável, violando segredos,
desrespeitando os cofres e as gavetas e as jarras
com flores e os velhos linhos e os livros duas vezes lidos.
Depois do temporal não há bonança, não há brilhos,
há só estilhaços de silêncio nas paredes cinzentas,
nas gargantas sujeitas a uma corda impalpável.
Os rostos são iguais a outros rostos de porcelana
fina, frágil, ferida, sulcada de impropérios, vilanias.
As paredes resistem, assistem ao desmontar da cena,
que outra virá tal qual as que se foram, que tudo
se repete e tudo é novo e todo o vidro quebra
que o vento sempre volta a visitar a casa,
a resgatar o preço das palavras trocadas, frente
a frente, em silêncio, sem pressa, para sempre.
Licínia Quitério
NOTA: Este blog vai entrar de férias umas semanitas. Pode ser que lhe faça bem e que regresse ao vosso convívio com novos ares poéticos. Até lá, fiquem bem, Amigos.
Licínia
7 comentários:
Quase doloroso, Licínia. Assim o entendi...
Um abraço.
Escrita de porcelana cristalina
um sopro de palavras
sem retorno
Bj
excelente poema, Licínia, na expressão dolorosa das devassas de tantas casas, que se repetem vezes sem conta e deixam "para sempre" "estilhaços" entre paredes, entre pessoas, corpos e nos nos corações.
beijinho grande.
Depois do temporal algumas mulheres trancam-se em casa para sufocarem os gritos e os silêncios.
Um poema maravolhoso, Licínia.
Um beijo.
as tempestades são por vezes catárquicas...
beijo
Que bela e triste litania. Como um sopro, como o tempo a passar...
Beijo
Só resta o silêncio? Restam as palavras, tão humanas, com tanta dor.
Um grande abraço.
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