15.9.10
AS OLIVEIRAS
Nesse tempo as paredes eram todas oblíquas.
Ao razá-las as aves quebravam o limiar das asas.
Impediam os filhos de deixarem o ninho.
Nesse tempo o chão era uma onda negra,
um dorso de dragão com espinhos de cristal.
As maçãs recusavam-se a deixar as árvores
e apodreciam de medo no cansaço dos ramos.
Nesse tempo o silvo dos comboios foi destruído
pelo grito dos homens que abrasava a planície.
Foi decretada uma nova geometria e as paralelas
morreram sem se terem beijado no infinito.
Foi banido o ângulo recto e as dores se tornaram
agudas e os sonhos obtusos até à anulação.
Foi o tempo do fogo e da avidez dos corvos
sobrevoando as cinzas. Tornou-se obrigatório
o choro dos violinos e o latido dos cães.
Proibida para sempre a vertical da vida.
Mais tarde, muito tarde, vieram as oliveiras.
Licínia Quitério
partilhado por Licínia Quitério às 3:36:00 da tarde
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18 comentários:
Poema de uma beleza inquietante.
As oliveiras nasceram para salvarem os seres vivvos do desespero total.
Beloíssimo, Licínia. Um grande beijo.
....E houve paz sobre a terra?
Um grande abraço, Licinia.
Belíssimo. A foto será do Museu Judeu de Berlim?
É, sim, Helena. O horror também nos dá inspiração.
A geometria cortante nas palavras em oposição à generosidade da Natureza.
Uma imagem fantástica ainda que obsidiante.
Um beijo
L.B.
"Terrivelmente" belíssimo... que nem as oliveiras!
Beijinho
Em tempo de vindimas
medram oliveiras
e sonhos de outras marés
até ser dia
Excelente poeta
... e as folhas ao vento
diziam das árvores d'outros campos
... e as folhas pelo chão
soletravam a saudade dos ramos
... e as folhas
alimentavam raízes
d'outros tempos.
um abraço fraterno, Lícínia.
Belíssimo, Licínia, belíssimo! Até arrepia de tanta beleza.
Ótima visão...parece um novo renascimento do mundo...
[]s
Poema inquietante.
"Foi o tempo do fogo e da avidez dos corvos
sobrevoando as cinzas. Tornou-se obrigatório
o choro dos violinos e o latido dos cães."
Mas excelente.
Gostei imenso, querida amiga Licínia. Continuas a escrever como poucos.
Bom fim de semana.
Beijos.
Belo poema que nos traz à memória uma página negra da n/ história. Tal qual um grande incêndio que tudo destrói, eis que a natureza nos conforta com o renascer das cinzas. O verde das oliveiras, símbolos de paz. Paz que infelizmente teima em não pairar em todo o nosso mundo.
fabuloso Poema, querida amiga.
saibamos cuidar e merecer as oliveiras.
que tão bem cantas!
beijos
Página dramática.
É dramaticamente belo. Vejamos:
" nesse tempo...as maçãs apodreciam de medo... nesse tempo ...o grito dos homens abrasava a planície...foi tempo do fogo...tornou-se obrigatório o choro dos violinos" E termina." Foi proibida a vertical da vida" seria difícil um terminus mais dramático.
É um texto intensamente belo.
"... chego sempre atrasado. É uma constante da qual não tenho emenda nem pudor."
(Alberto Oliveira in "E azeitonas, vai querer?"
"que regresse o ângulo recto
e também as paralelas
nem que seja por decreto
mais as ginginhas com elas"
(Legível G. O. Metria in "Secantes, raios & coriscos".
Belíssimo poema.
Notável o imaginário poético que
alcança através das Oliveiras como que uma verticalidade segunda, uma verticalidade outra, a promessa de uma verticalidade verde, possível.
com admiração
filipe
Deslumbrante!Eu cresci no caminho das oliveiras...
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