10.6.12

O PÓ


Há um tempo de subir as ruas, as árvores, 
as torres. Tempo de asas,  de respiros e 
suspiros, de pérolas na nuca. De desordem, 
desassossego, desapego. De corrida sem 
espora nem freio, de amor e desamor na 
mesma cama, de fome sem mesa, de mesa 
sem fome, de calor sempre. Subimos e 
tomamos rédeas invisíveis de cavalos 
brancos, de cavalos negros, de potros 
nunca amansados. É um galope sobre 
terras e águas, caminhos nesse tempo 
iguais, aprendidos nos manuais da vida 
quando aportámos ao cais do corpo,
ainda luminoso, quente. Um dia vem o 
pó e o cansaço amarra-nos os pulsos 
do desejo. Não nos reconhecemos nos 
espelhos e as palavras que dizemos não 
têm eco nas esferas. O esmorecer do 
fogo é um requiem pelo amor envelhecido 
nas escarpas violadas em silêncio, no 
avesso dos ventosno separar das águas. 
  
Licínia Quitério

5 comentários:

Justine disse...

Aproveitemos então o tempo, intensamente, antes que chegue o pó...
Um beijo, amiga!

M. disse...

Impressionante! Sinto o pó a entranhar-se-me, nos olhos, na boca, os lábios ressequidos mastigando pó, piso-o na imagem, agarra-se-me aos sapatos enquanto subo os degraus íngremes com o teu texto bíblico nas mãos.

Manuel Veiga disse...

que fazer do pó da vida? por vezes entre a poeira brilham pepitas de oiro - saibamos colhê-las...

enorme. teu talento.

beijo

(belíssimo o comentário de M.)

hfm disse...

Ao"avesso do tempo" é este poema magnífico que me tocou profundamente.

Mar Arável disse...

Seremos pó

... entretanto sempre é possível

sacudi-lo

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