12.10.14

ATRAVESSAR


Atravessar a rua como se fosse rio e navegasse.
Atravessar o rio como se fosse pena e me levasse.
Erguer o corpo ao céu em jeito de ave que voasse.
Desafiar o dia, chamar-lhe noite, pedir-lhe contas dos trabalhos nunca feitos, da escuridão das ervas, do torpor dos órfãos, das manadas dispersas, do brilho obsoleto das espadas.
Quem dera adivinhar o ponto de viragem, repor, recompor, religar, desenredar o fio da meada, perceber o recado da chuva na vidraça.
Voltar se for preciso a atravessar a rua como se eu fosse o rio e me salvasse.

Licínia Quitério

2 comentários:

Anónimo disse...

"Atravessar o rio como se fosse pena e me levasse."

E nas águas do rio deslizar ao sabor da corrente. (lembrei-me da minha juventude)

Manuel Veiga disse...

ponto de viragem onde todos os destinos são apelo...

muito belo

beijo

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