18.10.14

VÃO


Há homens que se vão embora, se cansam, desamam, desgostam e vão, sem dizerem uma palavra, sem um lamento, sem um destino.
Vão.

Há mulheres que ficam, amarram os filhos, choram, soltam imprecações, gritam, dizem és tal e qual o teu pai.
Ficam.

Os homens que vão transformam-se em gatos vadios, de telhado em telhado, chamam as gatas quando o cio aperta, não esquecem a casa, rondam-na sem serem vistos, esquecem os filhos quando crescem.
Vão.

As mulheres que ficam transforma-se em galinhas, de tanto abrirem as asas, debicarem à cata de alimento, cacarejarem.
Ficam.
Há mulheres que se cansam, desamam, desgostam, procuram esquecer o homem amado, o filho que não quiseram.
Vão.
As mulheres que vão transformam-se em cabras, procuram os cumes, saltam de penedo em penedo, rejeitam os machos, saboreiam a aspereza da erva, descem à planície, às ocultas da noite, que os homens e as mulheres querem açoitá-las.
Há homens que vão ainda que fiquem.
Há mulheres que ficam ainda que vão.
Chamamos anjos aos que vão e não ficam, ainda que fiquem e não vão.
Caem.

Licínia Quitério

3 comentários:

Graça Pires disse...

O teu texto lucidamente belo como sempre. Um beijo, minha amiga.

Manuel Veiga disse...

não sei, não!...

diria que os homens ficam sempre presos!ainda que nem os anjos o saibam...

belíssimo texto.

felicito-te.

beijo

anamar disse...

Obrigada pelo pedido de amizade no FB e assim vim parar a este espaço belíssimo das letras que compõem as palavra de amor e desamor e de outras qualidades e defeitos humanos que prometo seguir.

Escolhi este.
Belo e duro.

Abracinho

Ana

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