25.10.14

CANTANDO


Bichos afogados, circulantes, espelhos no interior das pálpebras, viste-os. 
Tacteia agora este grão, este sal, esta flor marítima. 
Nasceu noite fora no limiar da minha porta, à beira-mar, sempre à beira do mar. 
Leva-me amarrada ao teu carro de vento, a flor de sal no meu cabelo. 
Os retratos dos afogados empalidecem, diluem-se, e tu não saberás que forma tinham quando vivos, quando estátuas, quando gritos de correntes. 
Há sangue novo nos pássaros, ouves, é deles o sopro de subida, no bico trazem uma palavra, sempre a mesma, do nascente das maçãs ao poente dos cravos. 
Hão-de soltá-la no coração da tempestade, e tudo será água, tritão, sereia, e um homem só sentado na praia, cantando.

Licínia Quitério

3 comentários:

Graça Pires disse...

Sempre à beira mar. Cantando.
É tão bom ler-te, Licínia.
Um beijo.

Mar Arável disse...

Bela viagem neste teu mar

Bj

Manuel Veiga disse...

... que o sangue novo dos pássaros se solte. e as tempestades se derramem. e o homem habite um teu novo - em seu canto!

belo.

beijo

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