12.2.16

APAGA A LUZ


Apaga a luz, meu amor.
É de noite que as farpas da memória

nos trazem as rosas que tombavam 
nos quintais da infância,
esses eternos, imutáveis quintais
com muros que aprendemos a transpor,
a iludir os cães de guarda,
fiéis a seus donos infiéis.
Apaga a luz, deixa a noite 
escrever na almofada dos sonhos
os seus contos de fadas
que salvavam dos mares e da metralha
os corpos enjeitados
e os vestiam de brilhos e carícias
e lhes chamavam príncipe, princesa,
que os nomes de homem e mulher
se tinham afogado na viagem.
Não tardes, meu amor,
apaga a luz da rua, fecha a porta,
entra na noite, pensa em mim
como se fosse barca a navegar
no rio do esquecimento,
ao sabor da corrente, 
com a mansidão das aves
e o veludo dos limos.
Dorme. Deixa que passe
este tempo de hienas,
esta devora de inocentes,
esta mentira de capote de oiro.
Quando acordares talvez os homens
já tenham descoberto 
o princípio do mundo,
de outro mundo.
Dorme.

Licínia Quitério





3 comentários:

Mar Arável disse...

Noites claras

Bjs

Manuel Veiga disse...

poema-bálsamo - na pele dorida.

beijo

Graça Pires disse...

Que prazer ler-te, minha amiga.
Um beijo.

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