27.3.17

NOTÍCIA BANAL




A faca corta, que bem corta a carne do vitelo, o corpo da mulher que não obedeceu, que não ajoelhou, que desejou partir, mas por ali ficou. 
Um filho carregava. 
Mas um filho de quem, deste homem ou do outro? 
Que lhe importa saber? 
A faca não pergunta o registo do sangue, a pureza do ovo. 
Deixa-se conduzir pelo pulso do homem, pela força da mão, pelo veneno da posse, a que o homem enforma, a que o homem deforma. 
A faca despedaça. 
Cortar é seu ofício. 
E porque bem cortou, o homem que a guiou tranquilo se sentiu. 
Senhor da vida e morte, consumado o abate, é um homem de pé. 
Não existe traição que a faca não degole, que a faca não apague. 
A matança apurou os sentidos do homem. 
Ele bem os ouviu, os gritos das mulheres, os rugidos dos homens, cruzados na arena. 
São aplausos calados, são ciúmes crescidos. 
Se eu tivesse uma faca, se não fosse este medo, ele não me escapava, ela não me ganhava. 
É a fúria do homem, é a força do bicho. 
Inocente é a faca que corta, que corta.


Licínia Quitério

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