24.9.21

VARIAÇÕES SOBRE O CORPO


Há lá maior intimidade do que esta

a que o corpo nos liga todo o tempo

sem pedir licença, sem fingir.

É a total pertença, nós com o nosso corpo

de que nada sabemos a não ser

que um dia ali não estará.

 

Dois pés são instrumentos para nos ensinarem

os metros do corredor e depois a largura da rua

e, se houver para tal força e vontade,

contar os degraus da escada,

avançar um pouco mais e abarcar o labirinto.

Só não saberemos onde começaram

e irão acabar os nossos pés,

se é que alguma vez foram os nossos.

 

Falam dela como se de pano ou vela

ou parte inteira  se tratasse

e nunca véu ou escama ou marca de água.

Pele devem dizer, como nascimento,

ou crescimento ou acrescento ou, em tempo seco,

outra estação que chega e só ela saberá

que seda, que beijo, que mortalha.

 

O corpo constrói-se. Reconstrói-se.

Nas fundações da construção

multiplicam-se os braços da ruína.


Licínia Quitério

1 comentário:

Graça Pires disse...

E como gostei destas variações sobre o corpo...
Cuida-te bem.
Uma boa semana.
Um beijo.

arquivo

Powered By Blogger
 
Site Meter