A casa sempre estala
que não há outra forma
de, no gelo da terra, perdurar.
Depois há os incêndios dos sonos breves
a tatuar na cal escorpiões,
crescentes de lua,
asas de borboleta,
algumas palavras sem vogais,
inesperadas simetrias.
Assim a grande casa,
monumental ruína,
livro do princípio com uma página em branco.
Alinhados permanecem os ninhos
de onde partiram todas as aves
no cinismo dos calendários.
A luz a justifica,
a define, a revela, a oferece
ao braço redentor do esquecimento.
Nada mais a dizer.
Licínia Quitério
28.7.08
A CASA
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23.7.08
MEU VELEIRO
Licínia Quitério
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16.7.08
1.7.08
DESPOJOS
São meus estes despojos?
A quentura do ar fecha a pergunta
no lar da minha boca.
Heróis de anónimas batalhas
passeiam-se ondulantes
na luz negra das janelas.
Dormem as aves.
Os lagartos devoram
a parede de sol.
Migrantes as águas,
tombados os cântaros.
Sítios que me habitam
nas horas do silêncio.
Licínia Quitério
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24.6.08
CANTATA DO DESASSOMBRO
Vou por entre as sombras
com uma saia de luz
e um trevo ao peito
Não sei dos símbolos
na casca das bétulas
nem da fala dos bruxos
curvados sobre a noite
nem do hálito das gárgulas
corroendo as pedras
Mergulho na água
a escrita das minhas mãos
e inauguro um livro
com a medida exacta
de um corpo nos meus braços
Sei da vida o que a morte me ensinou
A minha saia é luz e nada temo
Licínia Quitério
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19.6.08
REGRESSO
O piar dos pardais, à boquinha da noite, em luta por um abrigo nos braços do velho plátano solitário.
Noite feita, os morcegos a rasarem a janela, com seu chiar de ratos.
Quando a janela da infância se fechava, começava o sono. E nele entrava um novo mundo, encantado e bizarro.
Era então que o canário da vizinha Celeste, liberto da prisão, voava como um louco em redor da cabeça do Júlio sapateiro, a bater sola sem fazer ruído, empoleirado no carro de bois que, vendo bem, nem era um carro, mas uma gaiola a abarrotar de pardais.
E havia os gritos, os gritos das corujas das torres, procurando as orelhas dos meninos da rua.
Depois, num clarão, as corujas, transformadas em pirilampos, pousavam, brandamente, no carrapito da vizinha Celeste.
Também os mundos se cansam.Talvez por isso, chegava o tempo em que tudo parava. E aquele mundo subia, subia, subia, deixando cá em baixo, ao rés do sono, a quietude, a grande paz. Até que, despertado pelo sol madrugador, o canário da vizinha Celeste cantava de novo, em estridências de amarelo oiro, a pedir-me que abrisse, inda por mais um dia, a janela da infância por onde entrava o mundo.
Licínia Quitério
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13.6.08
CANSADOS RIOS
Se me perguntas
de que águas
me alimento
digo-te do tempo
em que os rios
tranquilos rios
de penas brancas
amaciavam mágoas
nos ombros da verdura
nada mais te digo
que hoje todas as palavras
são águas de outros rios
cansados rios
de chumbo e desassossego
Licínia Quitério
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8.6.08
UMA PORTA

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1.6.08
UM CORAÇÃO
Vestes talhadas em
claros panos de aconchego.
Sombras de orientes
a adornar águas de agosto.
Doiradas cabeleiras
anunciadas na fala das estrelas.
O zumbido ondulante dos insectos.
O azul, o grande azul
sobre a memória da terra calcinada.
Indiferente ao estrépito dos mundos,
neste desvão das horas se reclina
absorto um coração.
Licínia Quitério
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26.5.08
JÓIAS

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21.5.08
A NEVE HÁ-DE SER
no meu país a neve há-de ser cor-de-rosa.
eu a esmagar nos dedos flores de seda.
eu com uma rosa a morder-me na boca.
eu deitada na branca planície dos teus olhos.
eu a dançar nas espirais da tua voz.
eu no ramo mais tenro da árvore de cristal.
eu com um animal ferido nos braços.
eu com uma corda de esparto em redor da cintura.
eu a cobrir de versos os muros velhos do meu país.
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16.5.08
SOBREVIVOS
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10.5.08
NOTICIÁRIO
Notícias da Resistência:
As chuvas persistem em inundar a planície.
Quando as águas se retiram e descem aos vales sombrios, ficam estranhos desenhos de dores entrecruzadas.
Os aprendizes de adivinhos escrevem o passado nos jornais que ninguém lê.
Na casa, os móveis continuam a estratégia do pó para iludirem os antigos olhares.
Em quartos alugados, dizem-se palavras clandestinas e muitas mulheres as recebem nos colos remoçados.
Os poderosos insistem em abrir estradas de breu onde as formigas exaustas se suicidam.
Última hora:
Uma jovem planta de acanto, prestes a dar à luz, pediu asilo a uma mata de castanheiros. Deles, o mais velho e mais sábio ordenou que lhe dessem uma beberagem verde.
Nota de rodapé:
Aqui na Resistência chamamos-lhe Xarope de Utopia. Usamos e abusamos.
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6.5.08
ARQUITECTURA
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30.4.08
MAIOS
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23.4.08
É ABRIL
Tem sido uma encosta íngreme. De muitas flores e de muitas pedras.
Hoje leio as notícias e estremeço. Lucros com muitos zeros à direita, reformas opulentas. Os sem casa, os sem emprego, os sem saúde, os velhos, muitos velhos. Os sem esperança, os sem voz, os com medo, os com fome. Os arrogantes, os rastejantes, os pedintes. Também os sonhadores e os limpos e os que falam verdade e os que não vendem nem compram porque só sabem dar.
Sou feita de muito Abril. Quase cheguei ao cimo da encosta.
Vou ainda envolver-me na lembrança do clarão das ruas e dos risos, suavemente deslizar pelo dia e afagar um cravo cor de sangue e glória.
Um terno abraço, Companheiros!
Licínia Quitério
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17.4.08
UM HOMEM
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8.4.08
ANDANTE
foto de J. Abel
Vem da noite insone das copas. Esquecido do fantasma das décadas nos ombros, assombrado pela poalha de esmeraldas na paisagem, segue o trilho dos eternos caminheiros. Uma casa ao longe, uma porta aberta, uma presença. Ainda não - este o seu grito na manhã. Com uma garra no peito, aguarda o eco. Um dia, quando a porta da casa se fechar, não saberá ouvi-lo. Hoje, modulados numa estranha harmonia, os sons regressam. Continua, com um sorriso líquido nos olhos. Vai riscando o cinzento das bermas com a cor sanguínea dos cabelos da urze quase seca.
Licínia Quitério
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1.4.08
UMA ROSA
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25.3.08
DE SÚBITO
De súbito uma cor
a confundir o branco
um pequeno volume
a deformar o nada
um claro atrevimento
na placidez do sono
uma preciosidade
uma jóia sem nome
um rasto de cometa
o recado de um sol
como se fosse possível
enunciar instantes
como se fosse prestável
Licínia Quitério
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