Corridas as estradas de chumbo e oiro e assombração Silenciado o restolhar das follhas nos pátios interiores Sepultados os cães vadios sob a raiva dos transeuntes de domingo Apagadas as cores das línguas maternais nos discursos dos guardiões do templo Vendida a onda verde das searas e ninguém a reclamar colheitas Perdidos os olhos vítreos da boneca Afogadas em jarras as rosas de toucar
Sentada agora estou - ou assim me vejo - no sorriso lilás do jacarandá florindo os dedos longos da idade
O nome decerto lhe foi dado por vozes quentes, tropicais. Só cantando o podemos dizer, a saborear-lhe as sílabas, prolongando a alegria da tónica: Ja-ca-ran-dáá. As flores brotam, triunfantes, decididas, a pincelar o negro dos braços nus. Dizem li-láás nos nossos olhos, na sala de espera de mais um verão. Retiram-se, discretas, quando o recorte verde das folhas se anuncia. Todos os anos as procuro nas velhas ruas da cidade. Receio que um dia lá não estejam. Quero que fiquem para contar do meu sorriso sazonal e da minha voz dizendo a quem passa: Vejam como estão lindos. Já floriram os ja-ca-ran-dáás!!
Dias com um poema por escrever a roer-me por dentro a querer espreitar na fresta do desejo de enfim poder dizer como foi construído este alvoroço quem acendeu o lume e depois o apagou onde mora o dono da casa que vagou porque não morre o pássaro se lhe morreu o canto
Dias ondulantes de passos hesitantes de febres e de frios à espera do poema que transporte a palavra a enorme e única palavra capaz de traduzir o nome da cidade onde em verdade habito e respiro e me deito
Sentia um cansaço frio que lhe escorria pelo corpo. Podia ser um manto líquido, herança das últimas chuvas. Caminhava como se o dia fosse uma encosta íngreme, sem sombras vegetais. Olhava o chão com a indiferença dos velhos nos jardins. Apoiou-se na beira de um poço e viu no fundo da água uma janela de luz difusa. Alguém passou e lhe disse: O que faz aí? É melhor afastar-se. Obedeceu. O cansaço era tão grande que não conseguiu dizer: Talvez lá em baixo haja um poema a descansar.
Licínia Quitério
P.S. Parece-me que o Sítio do Poema anda um bocadinho cansado. Por isso o vou mandar de férias. Voltará à conversa com os Amigos, revigorado por fortes ares, tranquilas águas. E deixa-vos beijos.