31.3.17

DOÇURA



Pedes-me notícias da doçura
e a tua mão treme na minha mão.
Sabes que quando digo golpe penso afago,
que quando escrevo mar dos afogados
aumenta o meu desejo de planície,
que a minha fúria é a saudade
dos caminhos verdes,
que as minhas sílabas de fogo
abrasam os que são de incêndio,
derretem os que são de gelo.
Tu sabes ler-me,
ó cavaleiro das tréguas,
ó guardador das chagas do poente,
mas eu esqueci
a ordenação das fontes
e as falas que me chegam
são numa língua que aprendi
e desprezei.
Dá-me um novo alfabeto
e eu te darei o mel
e tu serás meu livro de ternuras.

Licínia Quitério

29.3.17

ESCRITORES.ONLINE

Um outro Sítio onde me encontro:


http://escritores.online/escritor/licinia-quiterio/

28.3.17

ANDANÇAS



A corrida do fio da fonte, a brilhar, a devolver as cores do céu, das árvores, dos montes, como se dissesse arco-íris, silêncio murmurante.
O assobio do canavial, flauta de vento a ameaçar invernos no avesso das primaveras.
O soluçar dos campos pela ausência dos que partiram em direcção a um novo verão.
Os bocejos dos homens, sentados nos bancos do outono, a contarem as folhas caídas, os dias amortecidos.

Andanças, porque de danças se faz o nosso andar, de mundo em mundo, o que pisamos e o outro que sonhámos e, de tanto sonhar, nos fatigámos.

Licínia Quitério

27.3.17

NOTÍCIA BANAL




A faca corta, que bem corta a carne do vitelo, o corpo da mulher que não obedeceu, que não ajoelhou, que desejou partir, mas por ali ficou. 
Um filho carregava. 
Mas um filho de quem, deste homem ou do outro? 
Que lhe importa saber? 
A faca não pergunta o registo do sangue, a pureza do ovo. 
Deixa-se conduzir pelo pulso do homem, pela força da mão, pelo veneno da posse, a que o homem enforma, a que o homem deforma. 
A faca despedaça. 
Cortar é seu ofício. 
E porque bem cortou, o homem que a guiou tranquilo se sentiu. 
Senhor da vida e morte, consumado o abate, é um homem de pé. 
Não existe traição que a faca não degole, que a faca não apague. 
A matança apurou os sentidos do homem. 
Ele bem os ouviu, os gritos das mulheres, os rugidos dos homens, cruzados na arena. 
São aplausos calados, são ciúmes crescidos. 
Se eu tivesse uma faca, se não fosse este medo, ele não me escapava, ela não me ganhava. 
É a fúria do homem, é a força do bicho. 
Inocente é a faca que corta, que corta.


Licínia Quitério

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