31.3.13

PRECISO


Preciso de um assombro, de algo que transtorne a intermitência das sombras, que desalinhe as paralelas infinitas, que impeça a monotonia dos calendários, que arrase e desfaça e refaça e recrie, sem explicação, sem teorema, sem axioma, que não responda nem pergunte, que não brilhe nem se apague, que seja a ponta da espada e a bainha e a força do punho e não fira nem salve, não inunde nem seque, que tenha a voz e a mudez que nos nasce e nos mata. Que seja.


Licínia Quitério

24.3.13

LUZ



Tudo é luz, dizias, quando as sombras te percorriam os braços e as agulhas do desalento se insinuavam no teu prato. De luz se faziam as flores da voz e desenhavam corpos porque os cantavas sem nunca lhes dares um nome, nem sequer o de mulher. De luz a escuridão dos corredores da casa, atenta aos roedores nocturnos. A presença e a ausência, a música e o silêncio, tudo é luz, digo.

Licínia Quitério  

7.3.13

UM PRESSENTIMENTO


Um pressentimento apenas, um recado em água de riacho. Longe ainda o seu caminho de asas, buscando a cor na malva-rosa, num sortilégio nascido e apetecido. É no torpor da tarde que o milagre acontece, as bruxas dançam e o magma acende estátuas nas colinas. Se de rebanhos se falasse soariam chocalhos e balidos a anunciar a escuridão de volta. Marmóreo o corpo encerra a claridade e repete a metamorfose da rosa que será terra, bicho, estrela-mãe, na minúscula imensidão do que sabemos. 

Licínia Quitério 

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