29.1.09

MADRUGADA


Inda goteja a noite.
Na garganta um vibrato.
No cântaro quebrado, o incenso amortecido.
Desfocada, uma rosa desenha a madrugada.

Que ilumine o negrume das copas
e acalme a sede das ervas
e apague o rasto da peçonha
e alimente as palavras novas.

Que seja a boca e o beijo,
a forja e o aço,
o sangue e o útero

e nos ensine o princípio da alegria.

Licínia Quitério

25.1.09

ELOGIO DOS RELÓGIOS DE SOL


Um tempo houve em que tiveram rosto.
Neles viam os homens a grandeza dos dias.
Livros de luz para quem sabia ler,
nas encruzilhadas dos caminhos certos,
nas amplas clareiras dos enganos.
Quadrantes de numéricos segredos.
Gnomos paridos nas entranhas da terra,
condenados ao exílio nas alturas do sol.

Quisessem os relógios só medir o dia
e a noite dormiria num campo raso e largo,
favorável ao crescimento das asas,
ao germinar dos trigos, à desmesura do amor.

Licínia Quitério

20.1.09

OBAMA



Rosa não era se não fosse a luz acetinada do desejo, sim, o desejo denso das noites vagas.
Uma outra água no olhar e espreitam flores na ardência das feridas.
O vórtice das anteriores esperas refazendo os lugares das que vierem.

Hoje chama-se Obama. Precisei de o registar.

Licínia Quitério

16.1.09

UM SONHO MAU


Não digas o que viste. Pode ser que nada tenha acontecido além do corte brusco no caminho. O vento mais não fez que relembrar o separar das águas. Tu não ouviste a ladainha dos crentes nem a imprecação das mulheres. A bainha das cores tem sangue de cordeiros que morreram há muito. Quando ainda havia profetas e deuses e a estrada da fome era a ondulação das dunas. Não fales do clamor das estrelas cadentes. Tu não sabes quantas vozes tem o céu. Tu que te julgas sábio porque conheces as idades da lua e a gravidez das marés. Cala-te. Nenhum manjar é novo nesta mesa de enganos. Tu conheceste algozes e deste-lhes a lâmina e não acreditaste que matassem. Agora não te movas. Pensa-te rocha. Sente o tropel a adentrar-se na terra. Dorme as noites de solidão ainda por cumprir.

Dá-me a tua mão. Foi um sonho mau. Foi um sonho mau.


Licínia Quitério

10.1.09

FALEMOS ENTÃO


Falemos então da elegância das mulheres. Não soletremos a feminina condição. Digamos da sua matéria inspiradora. Vestidas de chuva as mulheres desafiam o sol. Com uma dor cinzelada no braço sorriem à curva da serpente. Contam as misérias do mundo no rosário de sonhos de opulência. Falemos então dos homens que não podem amá-las. Estão cansados de fazerem a guerra. Estão doridos por não pararem a guerra. Lamentam não terem feito filhos na delicadeza das mulheres. Ficaram estéreis os homens que mulheres condenaram à guerra. Os homens que restarem abraçarão as mulheres que restarem. Elas vestirão a prata das noites sem remorso. Todos eles terão os olhos da cor do esquecimento.

Licínia Quitério

4.1.09

GAZA

Um fumo negro, um choro imenso de inocentes. Da dignidade apenas os escombros. Melhor calar que todas as infâmias foram ditas. Tempos em que a poesia não amanhece.

Licínia Quitério

imagem Google

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