31.5.15

BRANCO


Branco, o silêncio.
Brancas mãos sobre os degraus do dia.
Nem uma pena no pano branco da madrugada.
Tudo dorme no vão da noite.
Um choro de criança atravessa a cal.
Sobe até ao peito das mais altas aves.
Despertam as mulheres 

e o leite escorre para a boca dos filhos.
Branca a preguiça dos homens 

a apagar a barca do sono.
De súbito uma vara, 

um clarão, uma cor afiada, um grito, 
uma ferida.
Para trás, 

o silêncio branco das manhãs.

Licínia Quitério

23.5.15

O LUGAR


Inauguro um lugar 
onde dantes era um sopro azulado,
com cheiro a erva esmagada.
Agora todas as pedras têm corpo
e as árvores têm braços 

e acenam.
Quanto a mim, existo num respiro
onde mergulham as aves de outro tempo. 
Sei que vou desmoronar,
por dentro, 

só por dentro.
Murmuro palavras, 

repito-as,
até calarem por falta de virtude,
até o lugar ser a morada do tédio.


O lugar concreto 

pode conter o princípio do abandono.

Licínia Quitério

16.5.15

AS SOMBRAS


Matar as sombras 

é ofício que requer 
minúcias de arquivista 
a numerar passados.

É preciso chamá-las, 

convencê-las ao recato dos sótãos, 
à solidão das arcas,
ao refúgio do olvido, 

ao silêncio do gelo.
Depois atá-las, 

em novelo,
conservá-las 
escuras, 
imprestáveis. 
Fechar todas as portas,
fechar todos os bichos,
fechar os dias, 

até que morram, 
as sombras,
provisoriamente.

Virão por fim as flores,
com pétalas raiadas de penumbra.

Licínia Quitério    

7.5.15

AQUIETA-TE


Aquieta-te. 
Ter pressa é não chegar. 
Correr, correm as estrelas. 
Correm, rodam, rolam, giram, 
eternamente giram. 
Os universos nascem, morrem, 
renascem, continuam, 
escrevem enigmas. 
Tu corres contra o tempo 
e esqueces que só avança 
quem sabe o seu lugar na imensidão. 
Olha as estrelas. 
São tão velozes 
que as vês deitadas no silêncio.
Imagina a intrepidez dos sábios, 
o sossego dos justos. 
Procura a casa onde uma estrela te espera.

Licínia Quitério

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