Pode acontecer que o piar de um pássaro te chame à amurada
do navio e lhe perguntes donde vens, de que terras te perdeste, que procuras no
meio do nada, que recado trazes lá donde partiste, donde fugiste.
Que sabes tu
da dor de um pássaro no meio da tarde, no meio do mar, olhando-te, sim,
olhando-te, o seu olhar de vidro igual ao olhar dos mortos, mesmo assim de
corpo alucinado, e tu perguntando, repetindo, mais alto, donde vens, que escondes
que não me dás, que queres de mim, perdida de mim, no meio desta tarde, no meio
deste mar, sabendo agora de um pássaro de nenhures, que me visita, me desafia,
me enternece.
Foi breve o tempo do pássaro no navio. Partiu, como veio, sulcando
o nada, e tu, num aceno, a dizeres um nome improvável para um pássaro em
perpétua viagem.
Licínia Quitério