25.1.13

VIVE


Arrima-te. O tronco vive erecto à flor da terra. Abraça-o. Rodeia-o. Dança, contradança, clama, reclama. A floresta inteira escuta o teu rumor, o teu rancor. Alonga-te, prolonga-te, ri no sol e na sombra, aplaude a fornalha e a geleira, o negrume e o alumbre. Admira-te, decepciona-te, insulta e abençoa. Explode em raiva e tomba em desalento. Reergue-te. Tu és o fulcro da alavanca e a alavanca. És o fulgor do metal e és o óxido. Incendeia-te. Acalma-te. És o carro do fogo e o de Poseidon. És o sim e o não de todas as misérias. És um homem e a sua solidão. Sobre o tudo e o nada, vive.

Licínia Quitério 

17.1.13

EM NOSSA VOLTA TUDO ARDIA



Em nossa volta tudo ardia
mas o lago crescia
e as nossas mãos teciam
sílabas abertas de futuro
No crepitar das chamas
soavam palmas e cantares
de amor amigo
Limpámos as águas e bebemos
o vinho curtido pela espera

À ameaça do fogo lançávamos
as palavras frescas 
do tempo fresco e novo
Livros abriam-se à passagem
inaugural do riso 
Os cães dormiam sobre
a nossa interminável vigília

Ninguém sabe dizer
há quanto tempo foi
esse bater de corações
vertiginosamente doces
essa febre de vida
doidamente apetecida

Pode ser já se diz
que não tenha acontecido
Pode ser amanhã
a seguir ao dilúvio
a seguir ao incêndio
no repique dos sinos
na saudade da festa

Há-de ser já se diz
num qualquer amanhã


Licínia Quitério

10.1.13

RECEBO A NOITE


Recebo a noite
sobre o estendal do dia 

e suas horas novas
e suas horas adolescentes
e seus minutos que não têm
não sessenta segundos
mas muitos mais ou menos
conforme é larga a dor
ou breve a alegria.
Quando o dia envelhece
é que se pronuncia
o céu arroxeado a luz 

do candelabro a azedia 
da erva o canto
áspero da toutinegra.

Licínia Quitério

1.1.13

REDONDO O MUNDO


Redondo o mundo de caminhar em frente, 
paralelamente ao cordão de tristezas, 
uma mão de alegrias de onde em onde,
que se podem somar, multiplicar 

por desejos de opala, preciosos,
úteis como esporas que fazem sangrar,
que fazem correr.
Todo o corpo arde na febre da viagem,
todo o corpo arrefece na praça da memória.

Um só corpo não basta para voltar
à casa construída, ainda que fosse barco
e navegasse.
Na outra ponta do mundo, no outro vão
do arco, uma luz se levanta, cada dia mais 
clara, mais bondosa. É o sinal do silêncio,
do anoitecer na linha da partida.
Um corpo continua para que outro recomece.
Nunca uma casa permanece.

Licínia Quitério

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