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Fragonard
Virás solene e belocom o brilho da pratae o verde dos limos e a maciez das pétalase a ternura inconfessadados guerreiros.Sorrirás pelos trilhos da alvadesviando as facasdomando as fúriasdo meu descaminho.Perguntarás: Mulher quem és agora?Lavarei as mãos nos meus ribeiros para nelas beber a tua voz.Não te responderei antes do anoitecerquando o meu corpo se esquecer do cardoe se fizer o lírio.Aguardarás serenocomo uma pregana espádua do tempo.A hora chegaráde retalhar as cordase atravessar o espelhoe apagar o lumena casa da montanha.Só então te direi:Sou a pedra de canto do sítio que habitavas.Meu nome um monossílabocomo tu como eucomo chão como céu.
Licínia Quitério
Vou fazer uma pausa. Espero regressar brevemente. Este convívio é precioso demais para desistir. Que a Poesia, como eu a sinto, vos acompanhe.
Licínia
Auguste Rodin - A Catedral
Se o poema demora,espera o progresso dos ramos,o choro ocultona voz quente dos homens,o anúncio do verãona curva da cintura das mulheres.Repousa as mãos na mesaaté que se desdobreo algodão bordadoe se apresente o pão.Dorme.O corpo sobre a mantada névoa litoral.Acorda, com a calmade um dia sem defeito.Acolhe a ternura nas mãos,o beija-flor no peito,
a música na pele.
Chegará o poemaa inundar a folha de papel,a gravar nas sementesa quentura do sol,
a desenhar perfis
de estátuas gregas
no céu do laranjal.
Licínia Quitério
"... Para seu equilíbrio, o Homem necessita tanto de instrumento como de símbolo, tanto de funcionalidade como de poesia, tanto de engenharia como de transcendência.
O excesso de um destes lados da balança produz doença. O excesso de instrumento produz a angústia de um grande vazio interior. O excesso de símbolo pode levar ao delírio sem meta nem objectivo.
A nossa sociedade prima pelo excesso de função. Pela falta de voo. Pela incapacidade para dialogar com as grandes e misteriosas forças do Universo e da alma humana.
Mas em todos os momentos da História apareceram os artistas e os poetas com as suas oficinas de pedras e de cores, de palavras e sonhos, a tentar levar o nosso olhar mais acima e mais ao fundo.
Estes artistas e poetas são homens e mulheres inquietos. Gente que se interroga sobre as suas angústias, que fala com a macieira e com a corrente do rio, que constrói catedrais e que se alimenta de música. ..."
JOSÉ FANHA
Foto antigaVazios os lugares
e as mãos abertas
a tactear os rostos
como paredes nuas.
Pálidas as vozes
e nos ouvidos
só apelos de mar
na vaza da maré.
Quando por fim a tarde
aceita a rendição
as mulheres amam
os lugares vazios
e deitam-nos no colo
e embalam-nos
com as vozes sobrantes
do cansaço.
Mesmo os lugares vaziossonham com a enchente
na cava desse abraço.
Por instantes, a mulher desafiou o vão do arco e casou o corpo com o aprumo da coluna. Ergueu o braço e, com a mão em pala, ajudou o olhar na busca do rio. Talvez tenha avistado as caravelas por detrás das casas. Voltou-se a sorrir e convidou o homem: Vamos continuar as descobertas? Foram. O lugar permaneceu. Sem o sorriso de inventar navegações. Vazio.
Licínia Quitério
Postal antigoAfagam os cabelos dos filhoscom dedos desarmadose pensam fios de linhono tear das lembranças
do enxoval.
Do linho nascem panos impolutosque com dedos armados vão rasgaraté que a fios tornem.
Quando os filhos partirempercorrerão os valessubirão aos montescom os fios do linho nos braços
a cantar.
Alguns ficarão presos em silvados.Outros se perderão pelos caminhos. Masa paciência das mulheres é infinitaquando se trata de voltar ao tempo
de afagar as sedasou de rasgar o linho até ao fio do olhar.
Recordas-te, Mãe? Eu tinha os cabelos ruivos e encaracolados. Sentias muito orgulho na cabeleira da tua Menina. Dizias, quando eu corria ao Sol do meio-dia, que a minha cabeça parecia envolta em labaredas. E, ao dizê-lo, os teus olhos verdes eram lagos de Verão.
Depois, o meu cabelo envergonhou-se e escureceu. Acalmou as chamas. Mas ainda hoje, se está feliz, ganha reflexos rápidos de cobre líquido.
Agora estás a dizer-me que um dia os meus cabelos serão brancos, como os teus. Vou gostar. Já que não tenho olhos de mar, terei um diadema de espuma branca, como as ondas.
Recordas-te, Mãe? Quando eu aninhava a cabeça no teu colo, os meus cabelos corriam em busca da seda das tuas mãos. Tudo ficava tão lindo, Mãe. Recordas-te?
Licínia Quitério