30.7.12

ESTE LUGAR


Ah este lugar sofrido de penúrias
este corpo cansado de anestesias
e provérbios
este retângulo de sol e ousadias
breves como breves os ganhos
os acertos e os projetos
Um pé nas pedras negras outro
nas pedras brancas
disciplina disciplina
pequenas travessuras
insurrreições de pouco sangue
revoluções até de flor na boca
Um travo amargo de ciúme
palavras afiadas palavrões
de toureiro e fadista
Amores lendários tumulares reais 

de realezas e nobrezas
que o povaréu não ama 

nem aproveita a cama
Nebulosos impérios hão de vir
e a salvação oh a salvação
há de estar ali à mão 

de semear papoilas e não
colher o pão
Amarrado à cabeceira
deste continente
o lugar não sente
o cheiro da semente
da serpente
Venha depressa a rima
que lhe dê
o ensejo 
de gritar


Nunca mais a morte do desejo

Nunca mais

Licínia Quitério

23.7.12

OS CÃES


Silentes os cães da lua
na descida da falésia
no silvo dos canaviais
na norma antiga das marés
Mansos os cães da noite morna
esquecidos de feras e de carne
Cães como peixes
calados 
de olhos líquidos
abertos na escuridão
Recordam os cães do sol
as suas vozes rubras
as caudas vigorosas
os olhos limpos
enfrentando a solidez da terra
Isso foi antes da lama
da cinza
da compra da indiferença
Desceram a falésia
São os cães da noite
calados e frios
como peixes de vidro


Licínia Quitério

14.7.12

BOM SERIA, POEMA

Bom seria mergulhar em ti, poema, inaugurar-te as águas na nascente, dar-te a sombra do meu corpo e o mais reluzente dos meus cálices. Devolver-te os segredos e os medos, a infinita ternura dos amados, a imparável vertigem dos amantes. Ondear na curva dos teus versos, dançar nos compassos  inesperados das vozes que te habitam. Arrasar-te as fronteiras, ser correnteza e margem e o tecido antes da margem, para além da margem. Bom seria, poema, possuir-te como macho  e ser na mesma noite a tua fêmea. Cravar-te imprecações em cada sílaba e afagar-te como mãe de última cria. Confundir com o leite dos meus olhos o sal do teu caminho. Atormentar-te, abençoar-te, como coisa amada e imperfeita, eternamente inacabada e ausente, na escuridão das florestas em que  vives, em que vivo. Bom seria, poema, beber-te as águas e partir contigo em busca da outra fonte.


Licínia Quitério   

11.7.12

NOVOS TEMPOS


http://www.tertuliadeebooks.com/catalog/Categoria4


Através deste link poderão adquirir o meu livro "De Pé sobre o Silêncio". A edição em papel está esgotada. Os novos tempos permitem que, editado como ebook, possa ser posto à venda por um preço muito inferior. É o futuro? Não, é o presente. Obrigada pela vossa atenção.


Licínia Quitério

8.7.12

LIBERDADE


Senhora dos  inquietos dias

que atravessas velada
a solidão dos tímidos,
a febre dos audazes,
a sede das searas.
Por ti, Senhora, pisamos
as sombras, sopramos
as cinzas, relembramos
a fricção das pedras
e o brilho do lume.
Por tua mão, Senhora,
resistimos aos cercos,
saltamos as devesas,
passamos a vau
os grossos rios.
Nomear-te, Senhora,
é acender janelas
na pequenez das casas,
folhas novas nos lenhos,
melros no aloendro.
Não nos deixes, Senhora
dos precipícios, da lonjura,
da explicação dos verbos,
madre das utopias,
filha nossa, caminho,
pão e semente,
aurora dos pobres.
Fica connosco, agora e sempre,
Liberdade.


Licínia Quitério

1.7.12

AQUI CHEGÁMOS


Aqui chegámos. A história à tiracolo,

a debitar reinados e vitórias e o destino
de um povo nobre e pobre por vontade 
de deus, ordem do rei e trabalho de bruxas.
Sólidas só as catedrais e as fragas reluzentes,
a disputar alturas com o olhar das águias.
Tudo o mais é líquido por aqui. Ondulação.
Salgueiro, seara, açude, cana verde, areal.
O linho, da semente ao fio, a amora, a seda.
O choro, o cante, a ladainha, o suor, o vinho.
Líquida a espera, líquida a tormenta.
Líquido o trinar das cordas, líquido o mar
por onde espreita o sonho, o atrevimento,
a inquietação, o medo, a teimosia. 
Um dia partiremos, dizemos, com a voz 
que se faz água e escorre e vai. 


Licínia Quitério

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