27.11.09

DA AUSÊNCIA

 
Podia dizer-te da ausência como quem morde a espuma ou apunhala sombras e afastar um sonho enroscado no pulso. Pegar na espuma e nas sombras e depô-las na paisagem com a leveza que as aves ensinam.  Se eu caminhasse sobre os campos de neve e olhasse para trás e apercebesse um rasto verde de agulhas e um cheiro morno de incenso no altar da distância, quem sabe a ausência mais não fosse que uma garra cravada na garganta do inverno, dor provisória, amortecida, guardadora dos casulos da memória.


Licínia Quitério

17.11.09

SE EU PUDESSE


Se eu pudesse dizer-te:  amanhã à tardinha havemos de respirar o verão das cigarras, caminhar enlaçados nas cordas do orvalho, saborear a memória da construção do templo.
Ah se eu pudesse recuperar a humidade das avencas ainda que tivesse de inventar os poços, à minha rua voltariam os sons dolentes da aldeia, como os dos rebanhos que apenas os poemas me disseram.
É tão útil escrever versos e com eles fazer ramos de saudade.

Licínia Quitério

5.11.09

A ESCRITA DA CHUVA



A escrita da chuva é miúda, madrugadora, breve. 
Escrita, apenas, livre da escravatura das palavras. 
Quem  sabe ler a sua transparência?
Quem lhe desvenda o verbo na liquida mudez? 
Alguém falou do tempo efémero na cintura do dia,
de relâmpagos e árvores tombadas à entrada das cidades,
de cavalos fumegantes e do susto das donzelas na orla das planícies.
Nada a propósito da escrita da chuva no recorte do Outono.

Licínia Quitério

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