12.2.16

APAGA A LUZ


Apaga a luz, meu amor.
É de noite que as farpas da memória

nos trazem as rosas que tombavam 
nos quintais da infância,
esses eternos, imutáveis quintais
com muros que aprendemos a transpor,
a iludir os cães de guarda,
fiéis a seus donos infiéis.
Apaga a luz, deixa a noite 
escrever na almofada dos sonhos
os seus contos de fadas
que salvavam dos mares e da metralha
os corpos enjeitados
e os vestiam de brilhos e carícias
e lhes chamavam príncipe, princesa,
que os nomes de homem e mulher
se tinham afogado na viagem.
Não tardes, meu amor,
apaga a luz da rua, fecha a porta,
entra na noite, pensa em mim
como se fosse barca a navegar
no rio do esquecimento,
ao sabor da corrente, 
com a mansidão das aves
e o veludo dos limos.
Dorme. Deixa que passe
este tempo de hienas,
esta devora de inocentes,
esta mentira de capote de oiro.
Quando acordares talvez os homens
já tenham descoberto 
o princípio do mundo,
de outro mundo.
Dorme.

Licínia Quitério





6.2.16

A SECA



Em tempo de sequeiro não há chuva 
que alimente as fontes.
Tão funda a sede 
que nunca a areia se faz lama.
Não há dor, não há distância 
que os olhos humedeça.
Somos casca de árvore 
que lume algum afronta.
Ouvem-se ao longe ladainhas 
de palavras roucas.
Nossas bocas inúteis e o pássaro 
tombado no portal.
Nem toda a fome mata.
Toda a guerra seca.

Licínia Quitério

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