24.12.14

O CISNE



Quem te via deslizar na tarde ficava preso no teu encanto, na serenidade do teu rosto, quase perfeito, quase triste.
Era impossível não pensar na dama do lago que lançava pérolas às águas na hora exacta do poente.
Sua filha serias, ou irmã, ou talvez ela tivesse voltado, com o seu colo de cisne branco, sua mudez, suas penas a fecharem-lhe os olhos.
Quem te via não sabia que nome te chamar, que o tinhas bem escondido no cerrado da boca.
Leda seria um nome, mas quem se atreveria, temendo que cantasses, e ao cantar morresses, e afinal fosses mais cisne que Mulher. 


Licínia Quitério

17.12.14

QUERIA-TE


Queria-te na agonia das cores 
quando a tarde acalmava. 
Era como se um pássaro de cinza 
esvoaçasse ao invés dos meus passos. 
Eu ainda não entendia 
o signo que trazia preso ao bico. 
Um batuque de distâncias atravessava-me 
e eu não sabia porque me doíam  
as lembranças dos mares da infância. 
Queria-te mas não te queria assim 
na hora da desistência dos mágicos. 
Queria-te mas não podia chamar-te 
ao caminho onde tudo estava, tinhas dito, 
era só descobrir. 
Não voltou o pássaro de cinza 
e o caminho continua, imenso. 
Vou juntando pedaços de mistérios, 
com a certeza de que tudo ali foi semeado, 
como disseste. 
É só saber colher. 

Licínia Quitério

10.12.14

NUVENS



São água, pouco mais.
São minúsculas gotas, são poeira de céu, são penas de anjo, ou penas de homem, é igual.
Varredura de vento, suspensão de gelos, oráculo de chuvas.
Alguém me ensine o corpo exacto de uma nuvem, a cor de cada floco, a distância que vai do azul à minha mão, o tempo de vida de um castelo de sonhos, o sabor da maresia, a duração do amor.
Se nada me ensinarem, tão pouco vale o meu olhar colado às nuvens.
Melhor deixá-las ir, deixá-las.

Licínia Quitério

1.12.14

ROSAS DA NOITE



São as rosas da noite que te embalam o sono, te segredam promessas de adornar a árvore dos dias. Rosas a preto e branco, rosas descoloridas, magníficas rosas, simetrias radiantes, invisíveis na claridade das ruas, na penumbra das casas. Só no chão das noites se alimentam, na poeira acidulada dos leitos,  e sobem, sobem, rodopiam, entrelaçam silêncios, dançam histórias sem princípio nem fim, dizem-te dorme, dorme, o teu sono é a nossa vida, o nosso tempo. Amanhã recordarás um tilintar de loiça fina, a despertar-te, e um doce aroma a inundar-te as horas. Dirás de goivos, de laranjas, de jasmins. Não saberás das rosas que vivem nas paredes das noites, rosas loucas, rosas de carne, impossíveis flores no estrépito diurno.

Licínia Quitério 
 

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