7.6.24

ILUDIR

 A iludir o tempo

o homem de passagem

na areia escreve

dá a volta ao mundo

numa mão fechada

é grande e nada tem

Ano vai ano vem


Licínia Quitério 

UM POEMA

 Um poema modesto

De palavras pequenas

Esdrúxula nenhuma

As tónicas assim

Macias quanto baste

A fazerem-se ouvir

Sem nunca magoar

Os ouvidos atentos

De música sedentos

Um poema amável

A convidar sossego

A caminhar connosco

Devagar devagar

Um poema menino

Um poema adulto

Com a idade do homem

A  vibração do sol

O silêncio da lua

Um poema a esconder

Entre panos de linho

Num colo de mulher

Tão pequeno o poema

Tão tímido o poema

À espera de nascer

 Licínia Quitério

4.6.24

CANSADAS DE GUERRA

 As mulheres estão cansadas.

Já não carregam os filhos

já não acartam comida

já não suportam o cio dos homens.

A guerra deu-lhes o cansaço

matou-lhes os filhos

queimou-lhes a comida

levou-lhes os homens.

A guerra ensinou-as a caminhar para sítio nenhum

a beber as lágrimas onde a água não chegou.

Estão tão cansadas as mulheres.

Esquecido o ritmo das danças

movem-se comandadas pelos ossos

pelo som das fúrias.

Abrasadas pelo incêndio do céu

aos poucos vão esquecendo o próprio nome.

Guardarão o nome duma terra

onde sepultaram os filhos os homens

um ou outro animal.

Estão cansadas.

Caminham em círculos

às vezes tropeçam

às vezes ajoelham

em silêncio.

A guerra levou-lhes a fala

e as orações são inúteis

na terra esquecida dos deuses.

São mulheres cansadas de guerra.


Licínia Quitério

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