27.8.24

ROSA

Foi quando disse rosa

que te fizeste flor.

Tivesse eu dito casa

serias o olhar

mais alto da cidade.

Tivesse eu dito amor

serias o meu corpo

junto ao mar.

Licínia Quitério


23.8.24

A GENTE SABE LÁ

 A gente sabe lá de que é que falam

Aquelas duas mulheres

Nem novas nem velhas

Nem bonitas nem feias

Duas mulheres só isso

Cada uma a carregar um saco

Cada uma a carregar uma verdade

Cada uma a pesar a verdade da outra

Verdades não são coisas para ouvir

São para dar numa mão fechada

À outra mão que não a sabe abrir

As duas mulheres não são novas nem velhas

As vidas das mulheres não são bonitas nem feias

São vidas só isso

Que as mulheres carregam nos sacos

A embrulhar o pão de cada dia

E  falam as mulheres falam

E o pão nos sacos endurece

E mais endurece a vida

Verdade se diga

Que é disso que as mulheres não falam


Licínia Quitério

20.8.24

ESSA GENTE

Essa gente que eu amei
teve o seu tempo de acabar a história
de fechar o livro
de encostar a porta devagarinho
de balbuciar a primeira palavra aprendida
de se fazer fumo e depois nuvem
Essa gente que eu amei
habita agora os meus sítios
as minhas horas
os meus passos em volta
as gotas de chuva nos vidros da janela

Licínia Quitério

14.8.24

ACREDITO

 Dizes que me percebes

e eu acredito

Também acredito nos deuses

e nos seus mensageiros

e nos seus inimigos

e nos seus obedientes seguidores

Acredito porque nunca os vi

afagar palavras que escrevo

rir desbragados das verdades

que dispo e atiro ao vento

Não nunca os vi chorar

no mesmo acorde do meu riso nocturno

nem sorrir por lhes falar

de amor perdido e encontrado

Acredito nos deuses e acredito em ti

todos tão distantes

tão sem graça

quando percebem tudo o que eu não sou


Licínia Quitério


12.8.24

MUDANÇA

Podia não ter acontecido

e tudo seria exactamente igual

A vida continuava a somar anos

e saudades

As portas da casa haviam de chiar

nos gonzos

de manhã ao acordar e à noite

depois da lua ter passado

sobre o muro do quintal

Tudo exactamente igual

como se alguma coisa tivesse acontecido

O prato na mesa o cabide no armário

o livro aberto a envelhecer memórias

A lágrima presa por teimosia

até ao dia da torrente

Tudo como antes de nada ter acontecido

de não ser mais que uma vontade

peregrina de mudança


Licínia Quitério


9.8.24

OS POEMAS

Em voo planado, a ganhar alturas,

ventos de feição, algumas lágrimas de nuvem,

remoinhos, acalmias,

novos ímpetos, arrojos,

ternuras envergonhadas,

sinais de lume, olhos de lince,

lonjuras, lonjuras, música, música,

mundos, aquém e além dos astros,

tudo, nada.

Os poemas, no seu destino de pássaros.

Licínia Quitério


5.8.24

OS ANOS

 Atravessar os anos sem contar

a não ser nas horas de choro

nascidas nas pedras afiadas

pelos caminhantes da fortuna

ou nos dias de tédio

aprisionados pela bruma

que não morreu de madrugada

Mais longos os anos  

Mais breve o anúncio de horizonte

As velas ardem a alumiar a  estrada

da água que desistiu dos cântaros

No novelo dos anos por contar

o vento tece mantas

de aconchego e perdição


Licínia Quitério


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