31.10.24

O CHÁ

Insinuam-se nas frestas, trazem aromas de chá e avistamos a espuma a receber-lhe o fio de quentura, a encher a taça, a oferecer-se à mão, à boca, ao corpo, à tessitura do sol nas paredes da tarde. 

É a hora dos relógios, da areia, da água, das árvores sobrantes, dos véus da cor do chá, do arremedo das danças, dos medos, das preces, do calor dos corpos, do calor do chá, do ardor da memória, da febre dos animais, do tremor da grande pedra, do aroma do sangue. 

Na taça, o chá esfriou.


Licínia Quitério


16.10.24

O LUGAR


Bonito é o lugar
Em forma de sossego
Pequeno limpo o lugar

Uma sala aberta à alegria
Uma varanda sobre um mar antigo
Um banco de jardim olhando o vale
Um corpo outro corpo
Uma voz lá ao longe
Um segredo a guardar
Discreto tímido
À espera de existir
O lugar



Licínia Quitério

 

8.10.24

CORAÇÃO

 Pousamos

o coração na mesa dos anos repetentes

 

Perguntamos

porque bates se nunca mais cobriste  

o chão de frio do grande inverno

 

Repegamos

a cor das velhas dores

num teatro de espantos e silêncios

 

Representamos

a comédia que somos

bem ao largo de nós

na ilusão de um invicto perpétuo coração



 Licínia Quitério

2.10.24

O FUMO

Pássaros cegos

carregados de pólvora

sulcam os céus

 

Palavras encharcadas de guerra

sem alfabeto original

sem gramática

rebentam à boca dos generais

 

Nos dias envenenados 

mulheres mudas caminham

homens sobrantes seguem-nas

e vão entoando um estranho canto 

nascido da dor e do fumo


Licínia Quitério


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