A velha tinha olhos aguados e sem viço.
O sofá moldava-lhe o passado
que descia os degraus da longa escada
e passava pelos nós dos dedos
como um fio escuro e intermitente.
Num esforço, a velha agarrava-o e desenhava,
com os olhos aguados, no vidro da janela,
o cão pastor, o bule de porcelana,
as palavras feias, como ciúme ou traição,
as palavras bonitas, como amor ou princesa,
as palavras cheias, como presença ou vida,
as palavras sem cor, como vazio ou outros.
A velha, com seus cuidados de velha,
fechava ou abria as palavras,
a controlar os tempos de passagem,
e, para não se esquecer da sua tarefa
de velha, com o fio do passado nos dedos,
desenhava uma neta que acendia luzes
verdes ou vermelhas.
Falamos tanto no passado. Pudera! É do ontem que somos feitos. Hoje é só uma palavra que dura menos do que o tempo de a pronunciarmos. Do amanhã nada sabemos, mas é por ele que vivemos.
Pois, filosofia barata esta, mas quem dá o que pensa...
Licínia Quitério
P.S. Há mais de um mês que ando por aqui. É um curto passado para um blog. Aqui vai ele a caminho do amanhã. Com a vossa cumplicidade.
10 comentários:
Gostei mto do poema. E das tus reflexões sobre o passado, enfim, sobre a vida (filosofia barata, pois então!)
Tanta sabedoria que a velha acumulava! É uma das coisas que o passado nos dá... se soubermos aprender.
Beijinhos
http://mulher50a60.weblog.com.pt
“Uma jornada de mil milhas começa sempre com um simples passo”. Lao-Tsé
;)
Adorei o poema, adorei este post.
Andas por aqui há pouco tempo, mas já marcaste o teu lugar. Eu, por exemplo, gosto de vir cá espreitar.
Continua por muito e muito mais tempo.
"...Falamos tanto no passado. Pudera! É do ontem que somos feitos. Hoje é só uma palavra que dura menos do que o tempo de a pronunciarmos. Do amanhã nada sabemos, mas é por ele que vivemos."
... eu gosto do passado... do meu... e gostei deste Poema também.
Um abraço e bom fim de semana ;)
OLá Licínia
As escolhas que fazes são excelentes.
Continuamos a contar com esse labor.
Bjs
quem sou eu para falar de passado, de tão curto que é...
Mas acredita que já conta a diferença...
as traquinices, as aventuras, a despreocupação, a insensatez, a curiosidade...
fico para átrás, mas não para trás.
gralha: ficou atrás e não para trás (é da hora 4h da manhã!!!)
Poema fundo, licínia, como eu gosto: descrever diz muitas vezes mais do que dizer.
Ritmo marcado, versos marcantes, a velha com um passado marca o pulsar da memória, mas transcende o tempo na neta que desenha.
Bom
Belo Poema!
è do passado que somos feitos.
O futuro é ainda uma incógnita.
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