Foto de L.Q.
e a minha amiga disse
“é preciso que chova
abundantemente chova”.
disse-o com o lápis afiado
a bailar na folha amarelada
do caderninho em que desenha
histórias de chuvas
que só ela sabe.
palavras de poeta
húmidas e ferventes
a colorir as flores
do sangue em nossas veias.
a lavar as ruas
das sombras incoerentes.
Diz frases curtas, bonitas, sempre precedidas de leves silêncios. Traz consigo livros e cadernos e lápis de cor e amostras de lãs grossas de cores, diria, tropicais. Com os dedos finos e longos enrola e desenrola fios de missangas, enquanto fala das gaivotas, das pedras, das chuvas. Para, pensativa, entre dois golos de chá de camomila, para ver por dentro a acácia dos seus sonhos recorrentes. Meio envergonhada, pede-me que leia um poema que escreveu durante a última insónia. Escrito à mão, numa caligrafia de menina prendada. É uma Senhora Poetisa, mas ninguém a conhece. Um dia, hei-de levá-la ao cimo do meu monte de planetas e gritar o seu nome. Quando ela voltar a casa, poderá lê-lo nas pedras da calçada em frente à porta. Uns se espantarão ao ver desenhada uma acácia. Outros dirão que são apenas sombras incoerentes.
P.S. Dedico este post a todos os poetas do meu País que nunca viram os seus trabalhos publicados. Na sombra das gavetas, há muitos e belos poemas à espera dos leitores que com eles possam voar. Quem sabe um dia...
Licínia Quitério
24 comentários:
tocante...
um dia todosos poetas do meu País, voaram livres, em "liberdade livre" . quero (ainda) acreditar. gostei da tua homenagem...
Uma vez mais a sensibilidade nas pedras da vida e da calçada... Que sorte vocês terem-se uma à outra como amigas.
É verdade, a quantidade de gente que a gente descobre por esse país fora com poemas de que jamais alguém teria conhecimento, não fora a oportunidad que internt, através dos blogues, proporciona!
E que forma bonita a tua de falar da poesia que outros fazem!
Abr.
António
Ah... Licínia... acabo agora de responder ao comentário queme deixou lá no Luz Fugaz e chego aqui e tudo se confirma. A sua voz é primordial e aqui estão os textos, entre tantos outros que li, que o confirmam...
"Uns se espantarão ao ver desenhada uma acácia. Outros dirão que são apenas sombras incoerentes."
E lá continuam os poetas, "Humanas cigarras" como dizia Torga, a cantar os dias, até porque a caravana passa:)
Um abraço
Verdade!!! Muitos beijos.
Quem sabe...
Bonita homenagem a quem tem o dom de escrever poesia esperando por uma oportunidade...
Quando será? Dependerá da sorte? Conhecimentos no meio? Será unicamente talento?
Gostei muito desta reflexão,feita por quem ultrapassou a difícil barreira da publicação.
E ganhou a taça!
Parabéns, Licínia, bem mereces.
Beijinhos
"a lavar as ruas/das sombras incoerentes"
É tão verdade!...
Beijo
É bem verdade. Até porque somos um país de poetas, não é? Sem piada nesta afirmação. Somos mesmo. ´Há uma quantidade de gente a escrever bem, num registo poético que, sabemos, tem bem mais dificuldade na publicação que outros registos mais apetecíveis ao público.
Mais uma vez um post muito belo. **
Realmente um país de Poetas. Nas tuas palavras uma justa homenagem. Parabéns à todos vós.
Licínia, pra ti, meu abraço e beijo fraternos.
Beijoa.....
muitos...
pelo excelente Post.
___________________!
Que bonita dedicatória.
Há sim, imensa gente que tem verdadeiras relíquias na gaveta e apenas um número restrito de amigos, nem sempre todos, sabe da existencia desses trabalhos, do seu valor e, perplexo, perceberá com dificuldade porque não vencida a barreira da publicação: problema do autor ou de um editor?
Bjs
Há quem diga que Portugal é um País de poetas, e basta passear-nos um pouco por alguns blogs para descobrir palavras bem alinhadas e sentidos, como sempre se encontram por aqui.
Bjs
TD
Fantástico!
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olhe vim aqui parar ao acaso
depois de colocar um post no meu canto
ao olhar o correr dos blogs actualizados
vi este e decidi entrar
em boa hora o fiz
fiquei mais rico
e fico leitor
..................
Noite serena
... como se não pudesse ainda acreditar, os dois polegares pressionaram o teclado da velha máquina escrevendo a palavra FIM. Retirou a folha à-quatro juntando-a às outras folhas que formavam uma altura de papel muito razoável, bateu-as em cima da mesa para as acertar e meteu-as numa capa de plástico que tinha uma janela onde se lia
Testamento Literário.
Abriu a gaveta da secretária, guardando aí a capa de plástico com as folhas. Quase instantaneamente a cabeça caíu-lhe sobre a Remington originando um esquisito som metálico. Tinha deixado de ter "o tempo todo deste mundo" para escrever mais uma palavra que fosse. Não tinha, por outro lado, filhos, netos ou qualquer família. O seu "Testamento" -se tudo corresse bem, acompanhá-lo-ia para o "outro lado da vida". Quem sabe se lá, não haveria um editor interessado em novos talentos acabados de chegar?...
Se a poesia é um estado de espírito é preciso cuidá-lo. Quantos poetas ainda não entenderam porque o são?
Tanta sabodoria nas suas palavras.
Como gosto de passar por aqui ;)
Beijinho e bom fim-de-semana
MDB
... o que fazem as pressas (ou o tempo que não estica... )
Por muito velhote que o homem estivesse, dificilmente escreveria com os dois polegares. O que eu queria escrever era ... com os dois dedos indicadores...
Sim um dia...que pode não vir nunca.
Gosto muito de vir aqui por isso não deixo para um dia :)
jinhos
Bonita homenagem a quem escreve e nunca viu um poema seu num jornal,numa revista, numa colectãnea...e há tantos!!!
Beijinhos
Bonita, a tua homenagem aos poetas desconhecidos. E muito verdadeira.
Beijos
lindo lindo este poema e este blog:)
adorei:)
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