19.11.06

PARQUES


Foto de L.Q.

O tempo nos parques é íntimo, inadiável,

imparticipante, imarcescível.
Medita nas altas frondes, na última palavra da palmeira,
na grande pedra intacta, o tempo nos parques.
O tempo nos parques cisma no olhar cego dos lagos,
dorme nas furnas, isola-se nos quiosques.
Oculta-se no torso muscular do ficus,
o tempo nos parques.
O tempo nos parques gera o silêncio do piar dos pássaros,
do passar dos passos, da cor que se move ao longe.
É alto, antigo, presciente o tempo nos parques.
É incorruptível; o prenúncio de uma aragem,
a agonia de uma folha, o abrir-se de uma flor
deixam um frémito no espaço do tempo nos parques.
O tempo nos parques envolve de redomas invisíveis
os que se amam; eterniza os anseios, petrifica
os gestos, anestesia os sonhos, o tempo nos parques.
Nos homens dormentes, nas pontes que fogem, na franja
dos chorões, na cúpula azul, o tempo perdura
nos parques; e a pequenina cutia surpreende
a imobilidade anterior desse tempo no mundo
porque imóvel, elementar, autêntico, profundo
é o tempo nos parques.

VINICIUS DE MORAIS

Passeiam-se nos parques como gatos. Deslizando, com elegância e sem pressas. Apurando os sentidos, a reconhecer o território. Afagam o tronco de uma árvore, olham a copa e, se fosse da sua natureza, trepariam e ficariam muito serenos, deitados no garfo de dois ramos jovens. Esmagam nos dedos uma folha de lúcia-lima e cheiram-na, aspiram-na, com sensualidade disfarçada. Pontapeiam uma pinha caída no saibro do caminho, para depois, mais adiante, a apanharem e a arremessarem. Como um gato faz com um novelo. São solitários. Evitam cruzar-se com outros exploradores. Procuram tomar caminhos diversos. Debruçam-se nos lagos, molham as pontas dos dedos e não as enxugam. Às vezes passam-nas no rosto. Espiam os pássaros, detêm-se, para não os assustarem.
Os gatos, esses, aparecem de noite. É o seu tempo dos parques. É também o tempo de muitos outros bichos que viram os homens sem serem vistos. Dos mistérios dos parques só os gatos sabem. Nunca os revelarão. Os poetas sabem disso, mas continuarão a deslizar nos parques, imitando os gatos. Na esperança de um dia saberem ler o que eles trazem inscrito nas pupilas.

Licínia Quitério

16 comentários:

JPD disse...

Belos textos a apelar ao desfrute, apaziguamento!
Gostei muito
:)

bettips disse...

Um gosto, o que transcreves e o que dizes de ti, na sombra do parque. Fascinante imaginar o que os olhos luminosos do gato têm em comum com os poetas. Abç

António Melenas disse...

Que bem que casa o teu texto com o de Vinicius, cada um a seu modo auscultando o coração o dos parques.
Gostei de ambos.
bjs,
António

Frioleiras disse...

Adoro, até à exaustão, de parques...
Infelizmente não temos o culto dos parques, das árvores...

De gatos... gosto menos, mt menos ...
gosto de pessoas e árvores........

Anónimo disse...

Que belo encontro de textos - a retratar a beleza e magia de lugares encantadores que são os parques.
Deixo o meu abraço fraterno, amiga... e o coração mais leve, após a passagem pelo teu sítio.

Maria P. disse...

Aí o meu Jardim do Cerco!

Boa semana vizinha:)

vida de vidro disse...

Gosto deste conjunto que fazes com Vinicius. Completamente em consonância. Também gostava de ver o mundo (não só os parques) pelos olhos dos gatos. **

Clotilde S. disse...

Vivo em frente ao parque.
Foi bonito ler , olhar pela janela e sentir.
Um beijo grande

Maria Carvalho disse...

Gostei muito destes dois passeios nos parques!! Beijos.

M. disse...

Tão bonito este passeio contigo e com o Vinicius pelo parque! Obrigada por nos teres levado contigo.

Conceição Paulino disse...

os parques, o verde, a serenidade das árvores e demais plantas t~e, provocam essa magia einduzem esses estados de espírito. Bem articulados os textos.
Bjs.
Luz e paz

Maria P. disse...

Grata pelas amáveis visitas à Casa de Maio.

Beijinho.

Alberto Oliveira disse...

... não fossem alguns (poucos) sinais indicativos, decerto ter-se-ia perdido no dédalo de caminhos que atravessava. Era um homem do interior que tratava a nutureza "tu-cá-tu-lá" mas isso não o favorecia absolutamente nada neste labiríntico e extenso parque onde tinha tido a curiosidade de se meter.


Chegou finalmente ao fim da aventura. Tinha conseguido arrumar o carro depois de andar mais de meia-hora às voltas até arranjar um lugar. Escreveu no verso do ticket o número do piso, a letra e a cor; nunca se sabe as partidas que a memória nos prega. E mesmo que lhe aparecesse algum gato no parque, pela frente, não saberia ler o que os seus olhos quereriam dizer...



beijinhos e óptimo resto de dia!

Clotilde S. disse...

Passei para saber de ti. mas ainda estavas no parque. Voltarei uma outra hora.
beijinhos :)))

Teresa David disse...

Como sempre tudo se conjuga na perfeição.
Bjs
TD

APC disse...

Muito sensivel, essa razante mas não tangente entre duas dimensões. Com o segredo a ficar no seu lugar, e o poeta sorrindo-lhe, porque assim não morre a busca de ser mais.
As palavras de Vinícios são de uma dimensão incrível!Abraço.

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