Venho de longe
de terras pobres
caseadas de portas
com trincos de madeira
Trago nos olhos
os microcosmos
das brasas das fogueiras
Nos cabelos
os cheiros da queima das ervas
a esconjurar maleitas
No longe havia gente
que atirava palavras
à dor e à alegria
e aos bichos tresmalhados
Para trás ficaram
as fontes e a sede dos cântaros
e a evidência da Cassiopeia
e o bailado dos vaga-lumes
Venho guiada pelo murmúrio
de raízes subaquáticas
Perdi o mapa das viagens
e desprezo regressos
Aqui cheguei
para conjugar o verbo
no tempo dos meus passos
Percorres-te. E vais abrindo sulcos até chegares ao ponto em que te vejas.
Tropeçarás em músculos, nervos e artérias onde pulsa o vermelho. Continuarás sem pressas e pensarás como cidade velha que rompeu as muralhas.
Quem te habitou? Quem te viveu? Quem de ti emigrou?
De tanto caminhares na inclinação do corpo, mesmo encostado ao osso te hás-de achar.
Muito sereno, sem nada te doer, esquecido das espadas, enfim dirás:
Prazer em conhecer-te. Contigo vou ficar.
Licínia Quitério
25 comentários:
"Percursos" ou trilho certo das palavras.
Gostei.
Beijinho:)
Muito bem combinados o poema e o texto.
:)
Pois... sem mapa é difícil regressar... sobretudo quando o regresso nos é voluntariamente interdito
A qualidade de sempre
Beijinho
Gostei muito destes "passos". Bom ano!
Percursos do conhecimento de nós. Percursos para dentro de nós?
Beijos
querida licínia. queria ter vindo antes. e vim. mas só hoje pude escrever. o mais bonito deste post na minha opinião. é a promessa de um ano inteirinho de poesia. que fique sempre connosco. um grande beijinho.
Que longo caminho e tão deserto... Tudo tentaremos. Também o fio de horizonte e a pergunta. E será suficiente? Penso que muitas vezes emigramos de nós e encontramos o nosso sentir, algures, em palavras de outros.
Querida Licínia,
Excelente, como de costume!
Como de costume, também, é na prosa azul que me deixo, verdadeiramente, arrebatar com a tua escrita.
Um bom ano novo, pleno desta tua magnífica criatividade e com tudo o que te faça feliz!
Um beijo.
Trilhos de palavras poema-prosa em jeito de olhar o extremo da jorna; mesmo que o ponto seja apenas o engano da convenção...
Afectuosamente
É bom neste novo ano voltar ao encontro destas palavras sempre tão bem escritas e com um conteúdo tão interessante de acompanhar.
Bjs
TD
Um percurso para chegarmos até nós, depois de todas as experiências do caminho. Uma leitura excelente, neste início de ano. **
Ai que prazer que é ter um bom texto ou poema para ler e lê-lo.
Que a inspiração continue o guiar da caneta misturando estas pequenas letras que qual alavanca também movem o mundo.
Feliz 2007 e o meu muito Obrigado, por tudo.
bjs
o lento despojamento pode ser, também, uma descoberta. e um regresso ao puramente essencial.
abraço, licínia
O despojamento ajuda a encontrarmo-nos no essencial, penso eu.
mudamos, para ficarmos os mesmos...
apenas a vibração do verbo é sempre outra...
"prazer em conhecer-te", quem poderá dizer, sem um estremecimento de emoçao?!
gostei mto.
Vim de longe e por aqui fiquei presa na leitura do poema e do texto que o complementa.
Gostei. Muito!
Voltarei a a fazer estes percursos.
Beijinhos
Licínia, voltei cá para te reler. E digo-te: - É mesmo bonito o que aqui escreveste.
As passagens breves ou longas... os percursos da nossa Vida e da nossa alma... e poder dizer:
Prazer em conhecer-te.
O prazer é nosso. Acredita.
Um abraço carinhoso e bom fim de semana ;)
Ah minha amiga,
fico sempre sem palavras, com as palavras que nos dás.
Um ano pleno, como o abraço que te deixo.
minha amiga, mais uma vez resta-me a mudez ante as palavras que nos deixas.
Um ano pleno, como abraço que te dou.
Gostei muito deste blogue! A imagem é "gémea" do meu!
Confirma e visita-o. Ainda não posso abrir comentários pois estou a ser altamente "perseguido" por um autêntico louco e aguardo uma decisão do tribunal para me pronunciar sobre as imundícies desse "monstro".
Desculpem por este comentário não ter nada a ver com o “comentável”. Mas penso que divulgar um evento cultural vale este “abuso”: Concorram aos V Jogos Florais de Avis. O regulamento está disponível em www.aca.com.sapo.pt
Saudações culturais!
venho de longe
tão longe que temo
despir-me de monge
vestir-me de demo.
de longe das serras
de ribeiros e rios
do inverno das terras
que não têm estio.
de longe dos mares
das terras do norte
de muitos azares
e de pouca sorte.
de longe cheguei
vi esta miragem
que com ela sonhei
eis-me de paragem
... há dias (no caso noite), que o melhor mesmo é rimar. Também tenho momentos menos bons e o tempo a pressionar-me. Mas é sempre bom vir aqui.
tua postagem, belíssima! - me fez lembrar um poema que fiz, que um colega musicou... e que eu já tinha esquecido...
grato por reavivar-me a memória. deixo um enxerto:
"... crianças, mulheres e homens
tangidos pela sede e fome.
homens, mulheres, crianças
nos corações uma só esperança:
um dia voltar que nem, que nem, que nem asa branca
e juntos cantar... cantar a ciranda, como em criança
como em criança, cantar a ciranda!
eu venho de muito longe..."
"Perdi o mapa das viagens
e desprezo regressos"
De nada nos serve o mapa nesta viagem; precisamos é de levantar os olhos do chão e sentir o canto das estrelas; se errarmos o caminho, logo encontraremos um atalho e nisso reside a sabeoria.
Beijinho
Enviar um comentário