18.9.07

ILHAS


estas ilhas de mim
nem mar nem rio as pode reclamar

tiveram escarpas
onde gritava a flor do tojo
amáveis enseadas
a resguardar ladrões e enamorados
clareiras de cantares e dança em pontas

incêndios lhes calaram a verdura
tufões e malfeitores as desfearam

e os coelhos morreram
e as aves voaram para norte

estas ilhas de mim
ressuscitadas

"Era uma vez uma ilha, solitária como todas as ilhas, preguiçosa como não há muitas, que dormia até tarde, aconchegadinha no seu cobertor de névoa...". Pensei contar uma história de ninar em que a heroína era uma ilha. Até já tinha princípio, meio e fim. Ideias de serões prolongados, a adiar repousos. Desisti quando ouvi um choro de criança no andar de cima. Ilhas não habitam sonhos de meninos. Só mais tarde, quando nos foge a terra firme, nos pensamos ilha e começamos a ter medo dos tufões. Assim a história foi só o seu princípio. Se houver quem a queira continuar...

Licínia Quitério

21 comentários:

bettips disse...

Também te bebo palavras e inspiro a vida. Gosto de ilhas: não dessas no centro dos ventos. As que medeiam entre os acidentes da terra e nos dão tempo de viver... numa dessas me queria, cheia de cor! Bj

Graça Pires disse...

Entre o outono e a neve construí uma ilha e deixei correr nos meus olhos a véspera de um rio e a linguagem absurda das ideias com identidade suspeita...
Um beijo.

M. disse...

Cada vez te exprimes melhor. Lindíssimo!
A história... gostaria de ser capaz de a escrever. Há uns tempos atrás era.

blue disse...

e como se abandona a ilha?

(obrigada, licínia quitério)

un dress disse...

ilhas de sementes

lavradas e alimentadas

na seiva

das tuas

pa lavras



...




:) beijO

Entre linhas disse...

Ilhas alimentadas pelo mistério do choro de uma criança rompe o silêncio de uma noite tranquila.
Bjs Zita

Era uma vez um Girassol disse...

Minha querida, não gosto de ser ilha...já sabes.
"Ilhas de mim" uma expressão lindissima, forte.
Continua a história...que irá sair?
Bjs

Rodrigo Fernandes (ex Rodrigo Rodrigues) disse...

Vim a este lugar, primeiro por dever de cortesia a agradecer o comentário elogioso que deixou no meu lugar, depois para melhor compreender a razão porque esse comentário me tocou.

Não que me mova a vaidade de só fazer, e dizer e existir para recolher e coleccionar elogios. Claro que gosto de ser apreciado, tanto como criticado pelos meus erros, que estas atenções são uma medida genuína do interesse que o nosso esforço suscita e um estímulo para continuar produzindo mais e melhor.

O elogio por si só, porém, é fácil e no comércio da expressão dos sentimentos e das valorizações, por tanta usura e leviandade na produção e troca, se depreciou. A maior parte das vezes não lhe ligo.

Pois vim aqui também vasculhar o lugar da Licínia Quitério. Devo confessar que sempre me provocou arrepios de emoção entrar em casa alheia e, à socapa, em atitude de espreita, de ladrão de visões vistas, recolher um pouco de tudo: ordem vs.desorganização, formalidade vs. singularidades, aprumo vs. desarrumo, cores, odores, vestígios do que na véspera fora um retorno calmo, uma passagem vestigial pelo frigorífico, um sono prolongado e quieto, ou uma entrada intempestiva com carregos de compras, jantares apaladados de complexa preparação e com prolongamentos noite fora de volúpias várias.

Estamos, é claro, numa de metáforas desbragadas, porque o que acima queria dizer, para descomplicar, é que gosto de entrar num sítio e reconhecer os múltiplos sinais que tornam único o autor dos textos que vou percorrendo, e que tornam única a razão para aí voltar, porque reconheci se o lugar tem méritos, ou não, para estimular o meu retorno, se é sítio onde me sinta bem,ou não, para me recrear recriando-me.

Ora o lugar da Licínia Quitério é desses sítios acolhedores, tranquilos e belos onde eu vou gostar de me recolher para obter conforto - como entrar nas igrejas na canícula (malgrado ser ateu) para obter refrigério.

Gostei muito: a poesia é expressivamente carregada de emoção e imagens, é bem trabalhada e reflecte um bom domínio da língua. Não se deixa esgotar na primeira leitura, por isso é um exercício apelativo para o espírito.

Dos textos que li por aí abaixo, uns com mais atenção, outros menos pelo aperto do tempo, um me prendeu, a Gata. E pela maneira como foi escrito reconheci inequivocamente a intensidade de um primeiro encontro, que é pelo olhar, a invasão e posse de um espaço que fora exclusivamente nosso, e a omnipresença indelével do bichano, de que só nos damos conta no dia em que falta. Nunca compreendi o porquê da presença de um bichano nas nossas vidas. Posso viver num eremitério, longe dos homens, mas não concebo uma vida sem gatos.

Já deu para entender: vou voltar.

Dá para meter uma hiperligação no meu sítio para dar um hipersalto aqui quando o entender?

Não vou esperar pela resposta, vou metê-lo agora mesmo.

Um beijo

vida de vidro disse...

Certamente a história seria belísima.
Estas ilhas que todos temos escondidas e as ilhas que por vezes somos... é difícil dizê-las melhor que tu. **

Alberto Oliveira disse...

Era uma ilha muito isolada. Não tinha amigos porque todos a olhavam de soslaio achando que ela "tinha o rei na barriga". A verdade é que esta ilha, se tivesse a barriga cheia com alguma coisa, seria de bananas. O seu problema era outro: extremamente tímida, não conseguia dizer o que lhe ia na alma. E afinal a sua história (uma dramática história)tinha um enredo terrível. Um belo dia, estava a ilha distraidíssima olhando o imenso oceano, quando um principe se chegou à sua beira e lhe disse sem mais aquelas: "Vou casar contigo e ser teu amo e senhor!" A ilha ficou paralizada de medo pois o principe era feio como o Demo: barrigudo, cabelo ralo, sobrancelhas mal semeadas e pelos no nariz e nas orelhas. Passado o susto inicial (cerca de uma hora) a ilha lá conseguiu balbuciar para disfarçar o terror: "Mas ó príncipe! olhe que eu não tenho sequer enxoval... ". Ele explorou o corpo da ilha com olhar guloso, admirando-lhe os olhos que pareciam fogo de artfício e o vestido de cor-verde-dos-campos e respondeu-lhe: "Não faz mal. O Continente paga o casamento, o copo d´água e todos os carnavais que havemos de fazer pela vida fora!".
A ilha ficou muito surpreendida porque na sua modesta maneira de pensar, achava que só o Continente era capaz de não suportar tanta despesa. Porque não também o Pão de Açúcar e os Supermercados Marrachinhos?!

Manuel Veiga disse...

ilhas que são "jardins secretos". belos...

(há sempre alguém tentado a ligar as pontas da história por contar...)

Anónimo disse...

Ilhas e ilhas... a tua, só tua... e de quem mais, bem sabes. Eu não sei. Sei d’algumas ilhas “... onde habitavam sonhos de menino...” desde o momento em que a canoa que o trouxera o levava de volta para o continente. Lembro dos sonhos do menino, alguns, pelo menos, mas lembro mais ainda dos sonhos que os habitantes das ilhas partilharam com ele: alguns, que de tanto fazer rir, chegava a doer a barriga!... outros, d’uma emoção de lágrimas inundarem aos olhos.

Ilhas e ilhas, histórias e histórias... a que principiaste, maravilhosa!

Um abraço fraterno,

batista

Victor Nogueira disse...

Viva :-)
Indiquei o teu poema intitulado «Da Esperança», para o " PRÊMIO CANETA DE OURO – POESIAS 'IN BLOG' 2007", idealizado por ANDRÉ L. SOARES e RITA COSTA. Para conhecer as regras desse evento viaja até http://aoescorrerdapena.blogspot.com/2007/09/caneta-de-ouro-2007-nomeaes.html
Desde já desejo-te boa sorte. Participa, e faz também as tuas indicações e, juntos, vamos tentar construir um dos maiores eventos relacionados com a poesia, em blogs de idioma Português!

Um abraço!

Victor Nogueira

APC disse...

"Ilhas não habitam sonhos de meninos. Só mais tarde..."

Mais tarde, somos as ilhas.
E ainda com ilhas em nós.
E se no-las matam, ressuscitamo-las. Para não morrer com elas. Para não morrer sem elas.

Superior, Licínia!
É um privilégio.

esse disse...

Poderosas, as ilhas. E corajosas!
Bj.

hfm disse...

Na Cabotagem há notícias daqui.

Maria Carvalhosa disse...

"estas ilhas de ti", querida Licínia, são fragmentos do Continente que em ti encontrou a sua casa, feito de terras e de oceanos.

Beijos, Amiga.

jorge esteves disse...

Cuidei que as ilhas cheirassem a solidão; mas a verdade é que há solidões que esperam alguém e, aí, talvez as ilhas tenham flores.
(gosto muito das tuas histórias)Abraço.

Joana Roque Lino disse...

Olá,
Descobri-a através da Helena F. Monteiro e gostei do que encontrei.

Joana Roque Lino disse...

E o poema que acabei de ler pela segunda vez é lindíssimo. :)

Anónimo disse...

...mas a criança voltou a chorar e não podendo resistir, subi.Pé ante pé entrei devagarinho, embrulhando-o no meu cobertor de névoa, bem aninhadinho no meu regaço recoberto de espuma que o mar me emprestara, embalava-o suavemente afastando assim, todos os seus pesadelos. No seu rosto de menino assustado desenhava-se já um sorriso,então sussurando fui povoando seus sonhos,com histórias minhas de encantar, desvendando as magias das minhas noies e dos meus dias, os tesouros escondidos nas catedrais que se erguiam junto ao mar, abobadadas e iluminadas com lustres de puros cristais e ainda surpresas mais que o iriam maravilhar e que viviam dentro de mim desde menina, à espera dum menino a quem tinha, tudo isto,contar. Avizinhava-se mornamente a manhã com laivos de saudades passadas,penetrando docemente naquele lugar e naquele momento.
Era chegada a hora. Chegada a hora de um menino descansado acordar e da Ilha agora adormecer agadecida à vida que tinha já outro sentido e que se perpetuava num menino que todas as noites a ouviria.
Era uma vez... uma Ilha que chegada a noitinha, de suaves luzes se vestia e que impregenadas de doçura, iluminariam sempre, sonhos de meninos...

É com muito gozo que respondo ao seu desafio, embora perceba as limitações que tenho. Como a Ilha, não resisti, poque uma ilha que tem um cobertor de névoa, tem de estar cheia de mistérios riquíssimos, sabedorias escondidas lugares mágicos que têm de ser transmitidos e por isso mesmo é que ela não resistiu e por isso mesmoé que as conta a uma Criança, porque os meninos nunca esquecem momentos mágicos.um beijo Teresa

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