Sentinelas de fogo
as luzes na cidade
Olhos sem pálpebras
a vigiar encontros
clandestinos
buscas de pão ou
outras sobras do dia
e a magreza das árvores
no exílio
Só no ventre das casas
Só no ventre das casas
defendidas das luzes
se acoitam férteis
os humores da noite
Era a sombra de um homem na noite da cidade. Aos ombros uma manta. Ou os restos dela. Das mãos pendiam sacos. Só os sacos eram brancos. Sentava-se no degrau amplo, abrigado, patamar da grande montra. Deitava-se, ali mesmo, quando as luzes da montra se apagavam. Deixava de ser sombra. Era agora um homem deitado no escuro. Como tantos outros.
Licínia Quitério
Licínia Quitério
20 comentários:
As luzes na cidade. A sombra de um homem. Um homem deitado no escuro. Ao mesmo tempo belo e triste, luminoso e sombrio.
Um beijo.
era a noite mais noite
que me fôra dado ver.
eram os corpos vergados
pelas incertezas do acontecer.
eram sonhos rasgados
d´acordar sem devir.
eram nuvens tremendas.
era... proibido partir.
... e fiquei, que a oferta na rua mais além, seria nula. Abri o cartão que antes fôra uma embalagem de um frigorífico de prestigiada marca, forrei-o com o maior número possível de jornais e deitei-me enrolado numa manta descolorida e esburacada. Antes de adormecer tentei meter conversa com o meu vizinho, residente dois degraus acima do meu: "Aposto que hoje não chove... ". Ele esticou a cabeça, abriu a boca (o resto de luz do candeeiro mais próximo deixou ver três dentes negros) e disse apenas: "Tá-se bem, meu." Era só mais um corpo anónimo ao longo da rua-aparthotel sem estrelas... no céu.
Veremos se não me constipo. Que dormir ao relento para inventar um comment, bem me pode tramar.
beijinhos.
NÃO ME REVEJO NO FOGO DAS LUZES DA CIDADE - MAS NÃO PRESCINDO
PREFIRO O FOGO E A LUZ DA LUA CHEIA - A CIDADE É DEPRIMENTE
Gosto muito, Licínia. Uma vez mais a profundidade expressa em pequenos/grandes detalhes.
todos, em dado momento, não passamos de vultos frágeis, deitados no escuro. que luz procuram os olhos, no meio dessa escuridão?
abraço,licínia
Homem da cidade, cedo amei o campo, hoje sou irrevogavelmente rústico. Mas teimo na cidade, amores ambivalentes.
Ver um homem dormir no campo ao relento, mesmo que indigente e despatriado, não confrange. Na cidade, sim. Até dá nome em inglês, tipo categoria sociológica.
É o mistério da luz escuridão. É a ronda da noite. "Sentinelas de fogo". É o exterior interior. Cai a noite, é como se tocasse a sirene e acendessem os holofotes na aproximação da aviação inimiga, a boa gente se recolhe "no ventre das casas".
Os sacos eram vulgares sapos de compra, de plástico, talvez do Continente. Lixo.
A montra tinha inutilidades electrónicas: PDAs, telemóveis, iPODs, GPSs, gadgets. Lixo.
O que destoa na cidade não é "um homem deitado no escuro. Como tantos outros."
O que destoa na cidade é "um homem deitado no escuro", no meio do lixo.
À espera de mais, um beijinho.
sonhando
como só há de sonhar
quem de dia vaga sem rumo
ao apagar das luzes ilumina
o opaco arremedo de vida
que é o seu caminhar
só o sonho salva
por vezes
do (arre)medo da vida
que as luzes insistem em mostrar
...
lá, bem ao longe
irão cavalgar
corcéis
indomáveis
na bruma
indelével dos sonhos, porque tu
Amiga, plantaste um verso na noite trevosa
um abraço fraterno,
batista
(Lá, bem ao longe, irão cavalgar corcéis indomáveis na bruma indelével dos sonhos, porque tu, Amiga, plantaste um verso na noite trevosa.... e esse verso floresceu nas palavras de Legível e de quem mais te percebeu.)
Ia a madrugada fria e densa, quando na montra da loja de informática um monitor se acende. O corpo, moído pelos degraus e pela insónia, voltou-se devagar, à procura de tão estranha luz. O Sítio do Poema, leu ele, depois de conseguir focar a vista nas letras. De manhã, quando o empurraram dali para fora, sentiu que tinha dormido todos os sonos em atraso.
a infelicidade feita Belo.
Olá, é a minha primeira vez por aqui, belo, boas palavras... um abraço...
homem apenas vestido de homem.
por instantes.
beijO
Um homem deitado no escuro. E com ele se confundindo. Um homem que (quase) ninguém vê. **
era luz
massa limpa de ser
Nunca soube se são eles próprios o escuro das noites sobre as cidades...
Ou será que é a indiferença?...
Abraço, amiga.
sentinelas de fogo. intermitentes. como os humores da noite. e da vida.
bela a tua escrita. sempre.
Parabéns pelo Outro Sítio
As tuas palavras, Licínia, tocam bem fundo, quer fales de amores, de pássaros, de núvens ou dos sem-abrigo das nossas cidades.
A tua escrita, poética, contundente e perfeita, faz do teu Sítio um lugar de excepção.
Beijo.
Um homem como tantos outros, na nossa escuridão. Um homem diferente de todos, na escuridão sua.
Luz sobre a escuridão, este teu momento!
Abraço amigo.
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