3.10.10

DESFOLHO-ME


desfolho-me cansada de verão.
dispo-me. ofereço o corpo ao vento.
rasgo-me nas arestas da infâmia.
grito. e a minha boca é um prado ardente.
um animal sem nome. tenho sede e tenho
todos os rios da noite na cintura.
respiro. ou não. estou viva. já pari todos
os filhos de ninguém. estou só. como tu.
como todos. quero tombar  como
os plátanos. com as raízes hão-de vir
as casas com gente dentro. sou cruel.
amo. amo tudo o que houve antes de mim.
tenho cheiro de lírios de caminhos.
sou pura. amo tudo o que sei e o que não sei.
libertei todos os bichos. abri gaiolas e jaulas.
tenho fome. nenhum manjar me serve.
já comi mirtilos e coentros e maçãs.
isso foi no tempo de correr os campos.
fui gazela. nunca os leões me feriram.
sou mansa. sou fúria. saiam da minha rua.
estou nua e canto. não sou pedra. sangro.
reclamo as jóias do futuro. que virão.
sou sibila.

Licínia Quitério

11 comentários:

Maria disse...

Para mim este é um dos melhores poemas que já li aqui, Licínia!
Cheio de força raiva amor e ternura. E confiança no futuro!!!

Um beijo.

Benó disse...

Transmites a força duma MULHER, a TERNURA duma mãe.
Recebe um abraço.

Lídia Borges disse...

De uma intensidade que fere e acaricia.

Belíssimo!

jorge vicente disse...

Sou Vida

M. disse...

Sim, Licínia, às vezes já não se aguenta mais. O que vale é que o dizes de modo muito belo.

Mar Arável disse...

A ternura das palavras

em liberdade

desfolhada

sem ameias

Bjs

Justine disse...

O sofrimento é isso: a perplexidade, a laceração, a raiva e a dignidade. E a poesia, sempre, para contar como tu fazes!
Abraço

Graça Pires disse...

A terra-mãe e o outono como um futuro adivinhado nas cartas...
Um poema magnífico, Licínia!
Beijos.

Alberto Oliveira disse...

quem me dera estar como tu
despido de qualquer conveniência
mas nestas manhãs frescas, estar nu
tenho de ter alguma paciência.

lá mais p´ró verão quem sabe
em tempo de imenso fogaréu
que prazer em que o corpo arde
andar com o esqueleto ao léu.

© Maria Manuel disse...

como um grito - da terra ou da mulher, indistintas neste teu excelente poema por onde perpassam as emoções várias da vida.

muito bom, Licínia. beijo!

Manuel Veiga disse...

grito vertical. como corpo em chamas. apontado ao Futuro.

belíssimo. enorme talento. o teu.

beijos

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